O Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) tem posicionamento contrário a propostas, como a contida no pacote do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, que visam a ampliar as hipóteses de excludente de ilicitude para atos de legítima defesa.
Na sessão ordinária da última quarta-feira, o plenário aprovou por unanimidade o parecer do relator Mario Fabrizio Polinelli, da Comissão de Direito Penal, que defendeu a rejeição a toda e qualquer proposta que possa resultar numa "carta branca para matar". O parecer foi sustentado pelo presidente da comissão, Marcio Barandier.
No documento, o relator alertou para o risco decorrente da substituição do verbo "repelir" pelo "prevenir", conforme sugerido na proposta de Moro. De acordo com art. 25 do Código Penal (CP), "entende-se em legítima defesa quem, usando moderadamente dos meios necessários, repele injusta agressão, atual ou iminente, a direito seu ou de outrem". Segundo Mario Fabrizio Polinelli, a nova redação, com o verbo prevenir, "poderá permitir interpretações que descaracterizem o instituto da legítima defesa e levem a uma inadmissível autorização para a promoção de ações letais preventivas".
A respeito do propósito daqueles que defendem a mudança na legislação para que os agentes públicos tenham tratamento diferenciado e maior segurança jurídica no combate à criminalidade, Marcio Barandier afirmou: "Não existe legítima defesa específica para o agente diversa da destinada às demais pessoas". O presidente da Comissão de Direito Penal disse haver uma "clara semelhança entre o que se propõe agora e o que foi estabelecido durante o regime militar".
Barandier se referiu à Ordem de Serviço 803, citada no parecer, editada pela Superintendência de Polícia Judiciária do Estado da Guanabara, em 1969, quatro meses após o Ato Institucional número 5 (AI-5), que deu poder aos governantes para punir arbitrariamente os que fossem considerados inimigos do regime. Conforme a normativa do antigo Estado da Guanabara, "os policiais, em caso de resistência, poderão usar os meios necessários para defender-se ou vencê-la", dispensando a investigação de eventuais mortes.
Em seu parecer, Mario Fabrizio Polinelli destacou também que, com a alteração do art. 25 do CP, poderão ocorrer interpretações que flexibilizem a aplicação do art. 73. O dispositivo trata da responsabilização dos agentes públicos que, no exercício da legítima defesa, vitimem terceiros em ações policiais, causando o chamado "erro de execução".
Embora não haja até o momento nenhuma proposta concreta destinada a alterar neste sentido a legislação em vigor, o relator tratou também da possibilidade de o Estado, com a modificação no instituto da legítima defesa, decidir não indenizar a vítima ou sua família, em casos de erro de execução. Tal medida contrariaria o art. 37 da Constituição Federal. Conforme o dispositivo constitucional, "as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa". Segundo Mario Fabrizio Polinelli, "a eventual não responsabilização do agente público na seara criminal não significa, em absoluto, que o Estado possa se recusar a fazer o ressarcimento"
FONTE: Monitor Mercantil - 09/12/2019