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Segunda, 24 Março 2025 17:58

Taxa de Incêndio: o que é, por que se paga e o que está em jogo no STF

A Taxa de Incêndio é um tema que desperta dúvidas recorrentes entre os moradores do Estado do Rio de Janeiro. Todo início de ano, muitos se perguntam por que recebem uma cobrança adicional relacionada a um serviço que, em regra, não utilizaram. A despeito de sua longa existência — foi criada ainda na década de 1970 —, essa contribuição continua gerando polêmicas, tanto no campo jurídico quanto no cotidiano dos contribuintes.

Neste momento, o assunto ganhou ainda mais relevância: o Supremo Tribunal Federal (STF) começou, na quinta-feira, 20 de março de 2025, a julgar a validade das taxas de prevenção e combate a incêndios, busca, salvamento e resgate instituídas pelos Estados do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Pernambuco. O julgamento foi levado do plenário virtual ao presencial após pedido de destaque do ministro Luiz Fux e envolve três ações: um recurso extraordinário (RE 1.417.155) e duas arguições de descumprimento de preceito fundamental (ADPFs 1.028 e 1.029).

O recurso extraordinário é um tipo especial de recurso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, usado quando se acredita que uma decisão de um tribunal inferior violou diretamente a Constituição Federal. Ele serve para garantir que a Constituição seja interpretada de forma uniforme em todo o país.

Já a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, conhecida pela sigla ADPF, é uma ação proposta diretamente no STF quando se entende que alguma lei ou ato do poder público fere princípios essenciais da Constituição — como os direitos fundamentais, a separação entre os Poderes ou a dignidade da pessoa humana. É uma espécie de instrumento processual para proteger a Constituição em casos em que não há outro tipo de ação disponível. Ambas as ferramentas colocam o STF diante de temas sensíveis e com grande impacto nacional, como é o caso da taxa de incêndio.

Na primeira sessão presencial, foram realizadas as sustentações orais e ouvidos amici curiae, expressão em latim que significa "amigos da Corte". Trata-se de pessoas, entidades ou instituições que, embora não sejam parte no processo, são admitidas pelo tribunal para oferecer esclarecimentos técnicos ou jurídicos sobre a matéria em julgamento, contribuindo para uma decisão mais fundamentada e plural.

O relator do recurso, ministro Dias Toffoli, proferiu voto reconhecendo a constitucionalidade da cobrança.

Diante disso, é fundamental compreender o que está em debate: o que é a taxa de incêndio, quem deve pagá-la, para onde vão os recursos arrecadados, por que sua cobrança é questionada e quais as possíveis consequências da decisão do STF para o contribuinte e para o poder público.
 

1. O que é a taxa de incêndio?
 

A "Taxa de Incêndio" é uma cobrança feita anualmente dos proprietários de imóveis no Estado do Rio de Janeiro. Seu nome oficial é "Taxa de Utilização Potencial do Serviço de Extinção de Incêndio" e seu objetivo declarado é custear os serviços de prevenção e combate a incêndios realizados pelo Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Rio de Janeiro (CBMERJ).

Instituída por legislação estadual (Decreto-Lei nº 247/1975), a taxa se baseia na ideia de que a existência e disponibilidade dos serviços de prevenção e combate a incêndios representam um "benefício potencial" ao contribuinte. Não é necessário que haja efetiva utilização do serviço: basta que o imóvel esteja situado em local abrangido pela cobertura do CBMERJ.

A cobrança é feita anualmente e os boletos são emitidos pela Secretaria da Fazenda do Estado. Os valores arrecadados são direcionados ao Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (FUNESBOM), sendo uma das principais fontes de financiamento da corporação.
 

2. Quem deve pagar a taxa de incêndio?
 

A taxa é devida pelos proprietários, possuidores ou ocupantes de imóveis urbanos ou rurais localizados em áreas atendidas pelo Corpo de Bombeiros do Estado do Rio de Janeiro. Ela incide sobre casas, apartamentos, estabelecimentos comerciais, indústrias e outras tipologias de edificação.

Os valores variam de acordo com a localização do imóvel, sua metragem e o uso (residencial ou não residencial). A tabela de cálculo é divulgada anualmente pela Secretaria de Estado de Fazenda do Rio de Janeiro.

É importante destacar que, mesmo que o contribuinte não solicite diretamente o serviço de combate a incêndio, a simples existência da cobertura do CBMERJ na região é considerada suficiente para justificar a cobrança.
 

3. Como os recursos são utilizados?
 

De acordo com informações oficiais do Fundo Especial do Corpo de Bombeiros (FUNESBOM), os valores arrecadados com a taxa são destinados exclusivamente ao financiamento das atividades do CBMERJ. Isso inclui:

• Aquisição e manutenção de viaturas, equipamentos e materiais operacionais;
• Reforma, construção e manutenção de unidades operacionais e administrativas;
• Formação, capacitação e aperfeiçoamento de bombeiros;
• Custos com comunicação, tecnologia, prevenção, vistorias técnicas e demais atividades correlatas.

Segundo dados do FUNESBOM, parte considerável do orçamento do CBMERJ provém da arrecadação da Taxa de Incêndio, o que demonstra sua importância para a manutenção e expansão dos serviços prestados.

Além disso, a atuação do Corpo de Bombeiros vai muito além do combate a incêndios: inclui salvamentos, resgates, atendimento pré-hospitalar, prevenção em grandes eventos e apoio em situações de calamidade pública.
 

4. Por que a taxa é polêmica?
 

Apesar de sua longa existência, a taxa de incêndio é alvo de críticas e questionamentos jurídicos há anos. A principal polêmica gira em torno de sua natureza jurídica e constitucionalidade.

No direito brasileiro, taxas só podem ser cobradas em razão do exercício regular do poder de polícia ou da prestação efetiva ou potencial de serviço público específico e divisível, prestado ao contribuinte ou posto à sua disposição.

O problema está justamente em saber se o serviço de combate a incêndios é específico e divisível. Muitos juristas sustentam que não: trata-se de um serviço essencial, de interesse coletivo e indivisível, tal como a segurança pública e a saúde, que devem ser financiados por impostos, e não por taxas.

Outros, contudo, defendem que a existência de infraestrutura próxima e a realização de atividades de prevenção e fiscalização configuram um serviço potencialmente utilizável por cada imóvel, legitimando a cobrança.

Essa discussão envolve temas técnicos e complexos do direito tributário, que repercutem diretamente na vida cotidiana dos cidadãos e na organização das finanças públicas estaduais.
 

5. O que está em jogo no STF?
 

O Supremo Tribunal Federal está julgando, de forma conjunta, três ações que discutem a validade das taxas de prevenção e combate a incêndio, busca, salvamento e resgate criadas por leis estaduais do Rio Grande do Norte, Rio de Janeiro e Pernambuco.

O caso mais amplo é o RE 1.417.155, interposto pela governadora do Rio Grande do Norte contra decisão do TJ/RN que declarou inconstitucional a cobrança de taxa sobre imóveis e veículos para custeio do Fundo Especial de Reaparelhamento do Corpo de Bombeiros (Funrebom).

O relator, ministro Dias Toffoli, votou para reconhecer a constitucionalidade das taxas, argumentando que os serviços prestados — como combate a incêndios, busca e salvamento — podem ser considerados específicos e divisíveis. Destacou a importância da arrecadação para a manutenção da corporação, aquisição de equipamentos e capacitação dos profissionais.

Na ADPF 1.029, que contesta a legislação do Estado do Rio de Janeiro, o relator, ministro Edson Fachin, votou pela inconstitucionalidade total da taxa de incêndio. Em seu entendimento, as atividades de prevenção e combate a incêndios integram a segurança pública, que é um serviço indivisível e deve ser financiado exclusivamente por meio de impostos, conforme determina a Constituição. Fachin foi acompanhado pelo ministro Flávio Dino.

Divergindo, o ministro Dias Toffoli votou pela constitucionalidade parcial da norma, reconhecendo a validade das taxas para serviços específicos e divisíveis, como vistorias técnicas e análise de projetos. Para os casos de emissão de certidões, propôs uma interpretação conforme a Constituição, de modo a garantir a gratuidade quando destinadas à defesa de direitos ou esclarecimento de situações de interesse pessoal. O ministro Alexandre de Moraes acompanhou Toffoli nessa divergência.

Na ADPF 1.028, que trata da legislação do Estado de Pernambuco, a mesma divisão se repetiu. Fachin e Dino mantiveram o entendimento da inconstitucionalidade total das taxas, enquanto Toffoli e Moraes defenderam sua validade parcial, reconhecendo como inconstitucional apenas a cobrança sobre serviços como vistoria em meios de transporte e atendimentos em acidentes de trânsito.

O julgamento das três ações foi suspenso e está previsto para ser retomado no dia 26 de março.

Outros ministros ainda irão votar, e o julgamento segue sem previsão de conclusão. O resultado, no entanto, terá efeitos amplos: se a taxa for considerada inconstitucional, Estados poderão perder uma importante fonte de receita e enfrentar a necessidade de devolver valores cobrados.
 

6. E se o STF declarar a taxa inconstitucional?
 

Caso o STF entenda que a taxa de incêndio é inconstitucional, os Estados deverão cessar imediatamente a cobrança. Além disso, abre-se a possibilidade de milhares de contribuintes pleitearem a restituição dos valores pagos nos últimos cinco anos, o que pode representar impacto financeiro significativo.

Contudo, o Supremo pode modular os efeitos da decisão, ou seja, limitar os impactos retroativos para evitar efeitos drásticos aos cofres públicos. Isso já ocorreu em outras oportunidades em que tributos foram declarados inconstitucionais.

A modulação dos efeitos da decisão sobre a constitucionalidade das leis é uma técnica que busca equilibrar a proteção dos direitos dos contribuintes com a preservação da estabilidade financeira do Estado.
 

7. O que fazer enquanto o STF não decide?
 

Enquanto não há uma decisão definitiva do STF, a taxa continua sendo cobrada normalmente no Estado do Rio de Janeiro. O não pagamento pode gerar cobrança judicial e inscrição em dívida ativa.

Contribuintes que discordam da cobrança podem:

• Ingressar com ação judicial para discutir a legalidade da taxa e tentar suspender sua exigibilidade;
• Depositar judicialmente os valores, enquanto aguardam decisão judicial;
• Efetuar o pagamento e, posteriormente, pleitear a repetição do indébito, caso a taxa venha a ser declarada inconstitucional.

Recomenda-se a consulta a um advogado tributarista para avaliação das estratégias mais adequadas ao caso concreto.
 

8. Conclusão
 

A taxa de incêndio é uma contribuição estadual de grande relevância financeira e social, mas que levanta importantes questões jurídico-constitucionais. Seu futuro está nas mãos do STF, que deverá definir os limites entre taxa e imposto, entre serviço indivisível e divisível, entre interesse coletivo e específico.

Enquanto isso, contribuintes seguem obrigados a pagá-la, ao mesmo tempo em que acompanham com atenção o desfecho de um julgamento que pode redesenhar o financiamento dos serviços públicos essenciais no país.

Independentemente do resultado, o debate revela como questões aparentemente técnicas do direito tributário influenciam diretamente a vida de todos nós e como é essencial compreender os fundamentos e limites do que pagamos ao Estado.

 

Rafael Iorio

Sócio do Fonseca Neto e Iorio Advogados. Pós-Doutor em Ciência Política. Doutor em Direito. Doutor em Letras Neolatinas. Professor da Faculdade de Direito da UFF. Chefe do Departamento Ciências Judiciárias (UFF). Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Direito da Universidade Veiga de Almeida. Bolsista Cientista do Nosso Estado da FAPERJ. Membro Efetivo do IAB - Instituto dos Advogados Brasileiros. 

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