Segundo Mendes, essas violências também aparecem dentro dos tribunais de ética e disciplina e até mesmo nas comissões de prerrogativas cujos pleitos femininos acabam não sendo atendidos. Com o resultado da pesquisa, foi cunhado o conceito de “lawfare de gênero”, que tem como definição a utilização do Direito como instrumento de guerra contra as mulheres, sejam elas parte do processo ou advogadas no exercício da profissão. “Com um nome e uma conceituação temos uma ferramenta nas mãos para apontar como o Estado exclui as mulheres da política, do sistema de justiça e sobretudo de algumas profissões, como é o caso da advocacia”, comentou Mendes.
Na abertura do evento, a 2ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, destacou que os espaços jurídicos precisam debater o tema e pensar em soluções que garantam os direitos femininos. “Temos que detectar os mecanismos através dos quais o lawfare de gênero atua e nos perguntarmos quais são as implicações que ele traz. E o mais importante é detectarmos uma forma de combatê-lo e garantir um sistema de Justiça que proteja a todos que são atacados neste País”, declarou.
Presidente da Comissão de Estudo e Combate ao Lawfare da OAB/RJ, Luciano Tolla afirmou que, em nível institucional, já há a busca pela conscientização e pelo combate ao lawfare de gênero, incluindo, por exemplo, a defesa da inclusão do tema no currículo das faculdades de Direito. “Nós, enquanto operadores do Direito, temos a obrigação não só de fazer estudos e nos aprofundar no debate, precisamos também combater as mazelas que persistem na nossa sociedade”, disse o advogado.
Da esq. para a dir., Luciano Tolla, Rita Cortez, Adriana Brasil Guimarães, Debora Batista Martins, Leila Linhares e Andrea Haas
A arquiteta Andrea Haas, uma das vítimas do lawfare de gênero, contou durante o evento a sua história, que é a primeira tida como estudo de caso na comissão da OAB/RJ. Casada com o sindicalista ítalo-brasileiro Henrique Pizzolato, acusado de corrupção e lavagem de dinheiro no Mensalão, Andrea também foi envolvida no processo. “Fui condenada com base no crime contra a administração pública sem nunca ter trabalhado no setor público, sempre fui arquiteta autônoma”, contou.
Pizzolato, relatou Andrea, foi extraditado da Itália em 2005 e a Justiça brasileira precisou pedir autorização ao país europeu para seguir com o processo, o que foi rejeitado. “O processo contra ele no Brasil foi extinto e o meu seguiu adiante, mesmo sem provas que indicassem a existência de dinheiro ilícito para as aquisições efetuadas. Fui condenada e transformada em bandida”, disse a arquiteta. Ela e o relatório da OAB/RJ entenderam que a ação teve cunho político e objetivo de atingir o marido: “É o que chamamos de perseguição cruzada no método do lawfare de gênero. Isso se assemelha à vingança transversa, um termo usado pelos mafiosos que significa ‘atingir alguém através dos familiares’”.
Ao comentar o caso, ex-presidente do IAB e presidente da Comissão dos Direitos da Mulher, Rita Cortez, ressaltou que os impactos da guerra de gênero no âmbito da Justiça e da mídia não podem ser ignorados. “São vidas destroçadas com grandes repercussões para o País e o mais impressionante é que as pessoas não percebem isso. Os casos concretos nos proporcionam a consciência de que é preciso combater o lawfare”, disse a advogada.
A 2ª vice-presidente da mesma comissão, Debora Batista Martins, também defendeu o combate ao lawfare de gênero através do aumento de estudos sobre o tema e de acolhimento das vítimas: “Nós observamos a violência processual contra mulheres no dia a dia e principalmente no Direito de Família. Penso que a própria comissão da OAB tem que ter um canal de denúncia a respeito da questão de gênero”.
Na visão da membro da Comissão dos Direitos da Mulher do IAB Leila Linhares, o Direito foi sistematizado ao longo da história como uma ferramenta de ataque ao gênero feminino. Ela usou como exemplo o instituto da legítima defesa da honra, na qual maridos traídos conseguiam absolvição e penas brandas após assassinarem suas esposas. Apenas em agosto de 2023 essa tese foi declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal (STF). “Mesmo depois da reforma, em 2002, nós ainda vemos no Código Penal uma intenção de criminalização específica das mulheres, que é a questão do direito ao aborto voluntário”, comentou a advogada.