Brunella Moraes
A palestrante sublinhou que o estudo, capitaneado pelas professoras Soraia Mendes, Isadora Dourado e Elaine Pimentel, ouviu 190 advogadas de todo o País, tendo como princípio o conceito de “lawfare de gênero”. Segundo as pesquisadoras, esse termo se refere à utilização do Direito como instrumento de guerra contra as mulheres, sejam elas parte do processo ou advogadas em exercício da profissão. “O lawfare de gênero não são pequenos dissabores do dia a dia em uma relação de trabalho, nós estamos falando de mulheres que são essenciais à administração da justiça e essenciais à democracia”, disse Moraes.
A naturalidade da violência de gênero praticada contra advogadas por seus próprios colegas de profissão foi lembrada pela diretora do Sindicato dos Advogados do Estado do Rio de Janeiro, Valeria Pinheiro, que mediou o evento. Trazendo um relato pessoal, ela contou que já teve sua atuação profissional sexualizada por alguns homens do Direito: “Quando tinha 20 e poucos anos, fui trabalhar no escritório de um advogado e lá éramos só nós dois. Quando fui despachar um mandado de segurança, ele disse: ‘Se você vai despachar com o juiz, vai ter que caprichar ou no decote ou na cruzada de pernas’”.
Na abertura do webinar, o presidente nacional do IAB, Sydney Limeira Sanches, destacou que a entidade, através de suas atividades e comissões, tem se dedicado a debater formas de combate a discriminações. “Precisamos de um País verdadeiramente inclusivo, que nos permita alcançar não só os preceitos da nossa institucionalidade constitucional, como também uma sociedade mais solidária e harmônica”, declarou o advogado.
A diretora cultural e da Escola Superior do Instituto (ESIAB), Leila Pose, elogiou a iniciativa do evento e ressaltou a importância de os homens, que ocuparam em grande número o plenário do IAB, se alinharem à luta pela igualdade de gênero. “Hoje temos aqui figuras relevantes da advocacia e colegas advogados que estão de braços dados conosco para pensar a redução dessas dificuldades que enfrentamos”, disse ela.
Da esq. para a dir., Brunella Moraes, Deborah Prates e Sydney Limeira Sanches
Tratando da importância da verdadeira inclusão, a presidente da Comissão da Diversidade do Instituto, Deborah Prates, que tem deficiência visual, afirmou que os espaços do Direito devem fazer recortes interseccionais para tratar da violência de gênero, considerando como esse tipo de ocorrência afeta mulheres negras e PCD’s. Ela destacou que pessoas com deficiência têm cotidianamente direitos básicos negados. “Mulheres e meninas com deficiência fazem parte da família humana e por isso nós queremos esse reconhecimento como pessoas”, afirmou a advogada.
O evento também contou com a participação da desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio (TJRJ) Adriana Ramos de Mello e da coordenadora nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem-teto (MTST), Gláucia Nascimento.
Adriana Ramos de Mello
Violência contra mulheres – Segundo Adriana Mello, o sistema de Justiça precisa observar o fato de que as mulheres são as maiores vítimas de violência médica e de violências direcionadas a PCD’s. Citando um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), a desembargadora ressaltou que as mulheres com deficiência sofrem o dobro de violência que homens na mesma condição: “O estupro entra nessa conta, já que ele é praticado muitas vezes por pessoas que atuam no cuidado dessa pessoa. Ou seja, o espaço doméstico também é um lugar de violência para mulheres”.
A palestrante também destacou que o Brasil tem um alto índice de violência obstétrica e grande parte das vítimas são mulheres negras. “A maioria das mulheres que sofrem violência obstétrica fica com alguma deficiência e seus filhos e filhas também. Então, observamos um índice alto de crianças que nascem com sequelas neurológicas irreversíveis e a mãe não tem recursos para oferecer um apoio de saúde necessário”, afirmou a desembargadora.
Gláucia Nascimento
Gláucia Nascimento citou que as instituições continuam carentes de estrutura para acolher mulheres, como é o caso de delegacias, que podem ser lugares hostis para vítimas de violência sexual. “A sociedade tem que estar preparada para nos ajudar a combater a violência, porque ainda estamos tendo que dizer o óbvio e lutar contra problemas antigos”, disse ela. De acordo com a coordenadora nacional do MTST, para avançar nesse tema, instituições como o Supremo Tribunal Federal (STF) precisam ter em seus quadros mulheres negras: “Conceição Evaristo fala que tudo o que ela escreve é cortado pela perspectiva de uma mulher negra, então todos os julgamentos do STF vão continuar sendo realizados sem a perspectiva de uma mulher negra. É muito grave”.