O manual de Criminologia de Roberto Lyra Filho foi exaltado no evento como um ponto de mudanças políticas e epistemológicas na advocacia. A presidente da Comissão de Criminologia do IAB, Marcia Dinis, relembrou a trajetória de engajamento social do autor homenageado para ressaltar que o lançamento marca o desejo de mostrar a atualidade da produção acadêmica do jurista. “O manual de Criminologia de Lyra Filho é uma obra comprometida com a defesa das instituições democráticas e com a promoção da justiça social”. A advogada ainda lembrou que as reflexões rememoradas conversam com discussões legais atuais, como, por exemplo, a possibilidade de haver uma legislação que despenalize o pequeno delito em um país assolado pela fome.
O livro lançado hoje reúne textos críticos e interpretativos da obra de Lyra Filho, além de diálogos entre o manual, que completa seu jubileu neste ano, e o momento presente do País. Como orientando de mestrado de Lyra Filho, o doutor em Direito, Estado e Constituição pela UNB José Geraldo de Sousa Junior ressaltou que o objetivo da obra é manter atual a interlocução entre a Sociologia do Direito e os pensamentos críticos e políticos que transbordam no campo jurídico desde os anos 1960. “Roberto Lyra Filho está na formação de todo advogado. A Criminologia Dialética traduz a disponibilidade de transformação de um paradigma, além do processo de renovação da velha para a nova concepção do Direito pelo qual o autor transitou”.
Reforçando os relatos de prematuro contato com a obra do homenageado jurista, o professor da Escola de Direito e do Programa de Pós-Graduação em Ciências Criminais da PUC-RS José Carlos Moreira da Silva Filho disse que seu contato com Lyra Filho consolidou o entendimento de que “o critério de normatividade é aquele que não se limita aos contornos estatais, embora possa passar por ele ou nele se materializar, e que busca, ao máximo, o alinhamento na direção objetiva que impulsiona o processo histórico de emancipação humana”. O advogado reforçou ainda que a advocacia, segundo Lyra Filho, é um elemento desencadeador da renovação das ciências criminais. Para o professor de Direito Penal da UFRJ Salo de Carvalho, a homenagem e as reflexões promovidas no encontro são um resgate da tradição acadêmica jurídica. “Lyra Filho propõe uma Criminologia que dialoga diretamente com a dogmática penal e a infiltra de materialidade, vida e realidade”. Salo ainda advertiu que “deixar de lado essa obra é um reflexo do pensamento colonizado na criminologia, quando damos mais valor a textos estrangeiros, mesmo tendo pensamentos muito avançados aqui no Brasil”.
Da mesma forma, o resgate histórico do pensamento crítico na Criminologia, de acordo com o professor de Criminologia na Faculdade de Direito de Buenos Aires Gabriel Ignacio Anitua, ajuda a pensar problemas ideológicos de extrema direita que ainda estão presentes na atualidade. “Estamos discutindo um clássico contemporâneo que nos interpela e obriga a refletir e atuar no presente”. A materialidade da obra nos dias de hoje também é contemporânea, segundo o mestre em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba Lair Gomes de Oliveira, que afirmou que “a diversidade e interdisciplinaridade são fundamentais na obra de Lyra Filho''. Para o advogado, existe uma ponte que une o tempo do jurista e o presente, com todos os seus desafios. Ele ainda se perguntou como o célebre escritor encararia as rupturas democráticas do Brasil da década de 2020.
O professor da Faculdade de Direito da UNB Eduardo Xavier Lemos acredita que Lyra Filho, através da sua obra, demonstrou o compromisso com o Estado de Direito. “Ele resgatou a atividade política na advocacia, que nada mais é do que o compromisso de não nos desconectarmos da nossa prática e da nossa prática transformar o mundo, conectada à justiça social”. No mesmo sentido, o professor de Direito da Universidade de Sevilha David Sánchez Rubio salientou a força política da Criminologia de Lyra Filho, ressaltando que o autor é um dos que "propõe formas de confrontar o sistema de dominação para produzir uma sociedade sem discriminações e privilégios excludentes”.
No campo pessoal, Lyra Filho também foi homenageado. Os professores da UFF Gisálio Cerqueira Filho e Gizlene Neder relembraram a generosidade do advogado em compartilhar seu potencial crítico para o crescimento acadêmico dos colegas. “A ficha custou a cair. Como assim, um jurista especializado em Filosofia e Sociologia do Direito me dispensou tempo e trabalho intelectual vigoroso comentando a minha tese doutoral sem que eu me atravesse a solicitar algo?”, contou Cerqueira Filho sobre o primeiro contato com Lyra Filho. Gizlene Neder comentou também que, como mulher no meio acadêmico do século XX, sempre foi tratada com equidade pelo advogado. A militância do jurista, para ela, deve ser rememorada no cenário de “acontecimentos históricos que afetam profundamente a cultura política e jurídica no País”.