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Terça, 26 Julho 2022 00:34

Déficit de cidadania dos afrodescentendes é lembrado no Dia da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha

Da esq. para a dir., na linha de cima, Edmée Cardoso, Vanilda Santos e Laura Hermando; na linha do meio, Flavia Magalhães, Monica Alexandre e Ana Carolina Barros; na linha de baixo, Dora Bertulio e Karine Silva Da esq. para a dir., na linha de cima, Edmée Cardoso, Vanilda Santos e Laura Hermando; na linha do meio, Flavia Magalhães, Monica Alexandre e Ana Carolina Barros; na linha de baixo, Dora Bertulio e Karine Silva

Na data em que se celebra o Dia Internacional da Mulher Negra Latino-Americana e Caribenha, o Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) lançou o e-book A cor da história & a história da cor, durante webinar que reuniu oito mulheres negras, nesta segunda-feira (25/7), com transmissão pelo canal TVIAB no Youtube. A diretora de Diversidade e Representação Racial do IAB, Edmée da Conceição Ribeiro Cardoso, abriu o evento, dizendo: “A condição da mulher negra brasileira sempre foi ultrajante. O déficit de cidadania nunca foi superado de forma a garantir a essas mulheres o mínimo de dignidade”.

A presidente da Comissão OAB Mulher da Seccional do Rio de Janeiro, que também é membro da Comissão de Igualdade Racial do IAB, Flavia Pinto Ribeiro Magalhães, participou como uma das mediadoras. Ela disse que a obra tem muito a contribuir com os estudantes de Direito: “Passamos pela faculdade estudando a história do Direito eurocentrada, mas esse livro muda os rumos dessa história. Temos muito que aprender com ele”. Também na posição de mediadora, a secretária-geral adjunta da OAB/RJ e presidente da Associação Carioca dos Advogados Trabalhistas (Acat), Monica Alexandre Santos, falou sobre a “cultura do apagamento”, em que “a sociedade coloca a pessoa negra num lugar em que ela deixa de ser ela mesma e passa a não existir”. Monica acrescentou: “Penso que isso seja um projeto de poder”.

Coletânea de artigos de 16 autores e autoras negros e negras, A cor da história & a história da cor é o primeiro volume da Coleção Novos Rumos da História do Direito, organizada pelo professor Diego Nunes, da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). O livro foi coordenado pelos professores Phillippe Oliveira de Almeida e Mario Davi Barbosa e pela professora Vanilda Santos, doutoranda em Direito pelo Centro de Ciências Jurídicas da UFSC, que também fez parte do painel, apresentando a obra. “Este livro nasceu dos sonhos de liberdade de mulheres e homens inspirados pelas histórias, memórias e legados dos nossos ancestrais em África e na diáspora”, afirmou ela. O objetivo é “apresentar diversas temáticas da história do Direito em uma perspectiva afrorreferenciada, rompendo com o racismo sistêmico”.

Instrumentos de poder – Algumas das autoras falaram dos seus artigos. Ana Carolina Barros, mestre em Literatura Hispânica pela UFF e graduada em Direito pela UFRJ, escolheu o escritor Lima Barreto para abordar a temática do Direito. “Lima Barreto fala muito sobre negritude e as dores que perpassam a negritude de uma forma bem real”. Ela se baseou nos livros Cemitério dos vivos e Diário do hospício para concluir: “Ele fala da Medicina e do Direito como duas instituições que encarceram e são responsáveis pela perda da nossa identidade”. Lima Barreto, que era mulato, foi internado duas vezes em hospital psiquiátrico. 

Professora dos Programas de Pós-graduação em Direito e em Relações Internacionais da UFSC, Karine de Souza Silva escreveu sobre migrações, mostrando de que maneira marcadores como raça, classe, etarismo, gênero, sexualidade, nacionalidade impactam as experiências migratórias. “A partir disso, eu tento desfazer a crença de que somos todos iguais”, explicou. Ela citou a “ambiguidade do Direito”, como instrumento de governabilidade racial, que, no Brasil, “sempre serviu para manter as elites brancas no poder”. Mas, para ela, o Direito também tem que ser utilizado como instrumento de reparação.

Laura Rodrigues Hermando, graduada em Direito e mestranda em Teoria e História do Direito pela UFSC, escreveu sobre a escritora e ativista Françoise Ega, mulher negra que nasceu na Martinica em 1920 e morreu em 1976 na França. Ela trabalhou durante anos como doméstica e um dia descobriu, nas páginas da revista Paris Match, a escritora negra brasileira Carolina Maria de Jesus. Ega se inspirou no livro Quarto de despejo para escrever o seu Lettres à une noire (Cartas a uma negra) composto de cartas que escreveu para Carolina relatando o drama das faxineiras antilhanas exploradas em casas de famílias burguesas. “Esses relatos ajudam a compreender a condição da mulher negra no século XX e também no século XXI”, afirmou Laura Hermando. 

O prefácio da obra é de autoria da procuradora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e mestra em Direito pela UFSC Dora Lúcia de Lima Bertulio, presente no debate. Ela disse: “Todos os trabalhos que constam no livro demonstram como o século XIX foi perfeito para a branquitude brasileira, deixando os negros numa posição de subalternidade e de desrespeito ao nosso corpo e à nossa humanidade”. Para ela, o Direito, “ao mesmo tempo que nos dá a ideia de Justiça e de amparo, subliminarmente vai reduzindo as nossas possibilidades de vida digna, desde os primórdios da formação do nosso País”.

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