A criminalista Maíra Fernandes produziu o parecer da Comissão de Direito Penal. A relatora criticou a “relação umbilical” entre Sergio Moro e o Ministério Público e disse que a operação se aproveitou do “clamor punitivo” instalado no País, para, com o apoio da mídia, instaurar o “processo penal do espetáculo” e alcançar os seus objetivos. Para atingi-los, a principal violação cometida foi, segundo Maíra Fernandes, a “construção jurídica da competência”, para que todos os casos fossem encaminhados à 13ª Vara Federal de Curitiba, independentemente de onde tivessem ocorrido.
Redução de investimentos – O parecer da Comissão de Direito Constitucional reuniu dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), segundo os quais a Petrobras teve perdas de R$ 172 bilhões. Na sustentação oral, Jorge Folena afirmou que o dano foi decorrente da “drástica redução de investimentos na estatal, que resultou no desmonte do setor de engenharia, vital ao desenvolvimento e à soberania nacional”. No parecer, foram citadas decisões recentes do Supremo Tribunal Federal (STF) que reconheceram ter havido violação de leis e da Constituição Federal em várias práticas e condutas dos integrantes da Lava Jato.
O parecer da Comissão de Direito Constitucional foi dividido em quatro partes: danos causados ao estado democrático de direito; emprego de instrumentos jurídicos como forma de perseguição política; constituição de fundação para fins privados com emprego de recursos públicos e, por fim, violações à ordem constitucional econômica e suas consequências, como o desmonte da indústria nacional e o agravamento do desemprego no País. Os relatores informaram que realizaram reuniões com diretores da Associação dos Engenheiros da Petrobras (Aepet), para obter informações e documentos relacionados ao exame da questão e à produção do parecer.
Os advogados mencionaram vários fatos que, segundo eles, caracterizaram condutas de violação ao estado democrático de direito. Eles citaram, por exemplo, a interceptação ilegal de um telefone do Palácio do Planalto, no dia 16 de março de 2016. A gravação da conversa mantida pela então presidente da República, Dilma Roussef, com o ex-presidente Lula, foi seguida da autorização, igualmente ilegal, dada pelo então titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, Sergio Moro, para a sua divulgação na mídia. Segundo Kátia Tavares, “o então juiz agiu de forma contrária à lei, pois não tinha competência, que é do STF, para atuar sobre a presidência da República e desrespeitou a proibição de divulgação de qualquer conversação interceptada, que deve ser mantida em sigilo, em respeito à intimidade, à privacidade e à presunção de inocência, garantidas pela Constituição”.
No parecer, foram indicados os efeitos da divulgação ilegal: “Provocou a ocorrência de distúrbios em várias ruas e cidades brasileiras, levando o caos à ordem política e social e à segurança pública”. De acordo com os relatores, “o magistrado atentou diretamente contra a presidência da República e, o mais grave, a Constituição, que proíbe esse comportamento indevido e próprio de agentes autoritários”. Na opinião dos constitucionalistas, “esses acontecimentos abriram as portas para a conspiração que conduziu ao impedimento de Dilma Rousseff, o que, sem dúvida, enfraqueceu a ordem constitucional de 1988 e, desde então, jogou no caos a democracia brasileira”.
Conluio – Também foi analisada a articulação entre Moro e os membros da Lava Jato e apontados outros danos causados pelas ações conjugadas entre eles. “Houve um grande conluio entre juiz, integrantes da acusação e agentes estrangeiros, para desestabilizar a ordem democrática, política, econômica e social do Brasil”, destacou Jorge Folena, que acrescentou: “Havia um projeto político em curso, conduzido à custa do sacrifício da democracia e da soberania nacional, causando gigantescos prejuízos à economia e promovendo a destruição de empresas e a aniquilação de um grande número de postos de trabalho”.
Na argumentação de que as ações judiciais estavam voltadas para um projeto político, o parecer cita a conversa, revelada pelo The Intercept Brasil, entre Moro e o procurador Deltan Dallagnol, em que este diz: “Você hoje não é mais apenas um juiz, mas um grande líder brasileiro (...). Seus sinais conduzirão multidões”. Também é mencionada a reunião realizada entre Moro e Jair Bolsonaro, no dia 6 de novembro de 2018, após o segundo turno das eleições. “É estarrecedor que tenha se reunido com o candidato vencedor da disputa presidencial, vindo logo em seguida a fazer parte do seu governo, num nítido projeto de poder político, executado quando ainda magistrado, e pelo qual levou à prisão o principal opositor de Jair Bolsonaro, que era exatamente o ex-presidente Lula”, afirmou Folena.
Antônio Seixas, na sustentação oral da parte referente à criação de uma fundação para fins privados com emprego de recursos públicos, criticou a exigência de repasse financeiro feito pela Lava Jato à Petrobras. Segundo ele, a força-tarefa tentou constituir para si uma fundação privada capitalizada com parte dos quase R$ 2,5 bilhões decorrentes de um acordo de leniência firmado pela estatal com acionistas minoritários americanos. Ele disse que o acordo foi feito sem que houvesse qualquer sentença de condenação contra a empresa.
O relator destacou também que Deltan Dallagnol, conforme informação que posteriormente se tornou pública, manifestou que a força tarefa estava exigindo da Petrobras o repasse de 10% sobre o valor ressarcido à empresa. “A Constituição veda aos membros do Ministério Público receber, a qualquer título ou pretexto, auxílios ou contribuições de pessoas físicas, entidades públicas ou privadas, a fim de evitar situações de aproveitamento pessoal para fins de qualquer natureza”, esclareceu o advogado.
Insegurança – Ao tratarem das violações da ordem constitucional econômica e suas consequências, os advogados da Comissão de Direito Constitucional disseram ainda que a Lava Jato promoveu, ao mesmo tempo, a insegurança jurídica, política e econômica no País. “A força-tarefa destruiu a estrutura da engenharia civil brasileira e a indústria naval, provocou a maior taxa de inflação, dólar em alta, ações em baixa, o maior desemprego na história brasileira e a evasão de investimentos para o exterior”, sentenciaram.
O parecer traz outros dados do Dieese, segundo os quais as ações da Lava Jato resultaram na perda de 4,4 milhões de empregos e 3,6% do PIB. “A força-tarefa causou graves danos à ordem econômica brasileira e destruiu diversas empresas genuinamente nacionais, como também toda uma cadeia de produção e fornecimento constituída ao longo de décadas de duro trabalho no País e no exterior”, afirmaram os relatores. Ainda segundo eles, “a paralisação de atividades, promovida pela operação Lava Jato, causou um desemprego gigantesco nos setores de petróleo e gás e engenharia e abriu as portas do mercado nacional para empresas estrangeiras que eram concorrentes”.
A criminalista Maíra Fernandes criticou também o tratamento dispensado pela Lava Jato aos advogados, que, segundo ela, foram publicamente apresentados como obstáculos à Lava Jato: “Nos casos em que há acusados de corrupção, lavagem de dinheiro, evasão de divisas e toda a sorte de crimes chamados de colarinho branco, é comum os procuradores culparem os advogados pela demora processual”. A relatora comentou a revisão recente de tudo que foi praticado na operação, iniciada em 2014: “Seis anos depois, os ventos parecem começar a mudar e alterar a leitura hegemônica que tornava a Lava Jato um grande sucesso de público, quase inalcançável às críticas”.
Visão utilitarista – De acordo com a criminalista, a atuação dos veículos de comunicação foi decisiva para o avanço da operação. “Por meio da mídia, incute-se na população a ideia de que as regras processuais brasileiras são muito benéficas aos réus, as quais precisam ser alteradas ou relativizadas, para que a condenação do acusado e o cumprimento efetivo da pena, fim maior do processo nessa visão utilitarista, seja alcançado”, esclareceu.
Segundo a criminalista, até magistrados têm dificuldade em atuar na contramão do clamor público e da mídia. “O juiz que decidir contra a ideia veiculada, seja reconhecendo uma nulidade, o desrespeito a algum princípio constitucional, a uma regra de competência, à presunção de inocência ou a qualquer outra norma legal, estará decidindo contra a população honesta do País”, explicou.
Para a advogada, todas as ações fizeram parte de uma grande estratégia. “Nada foi por acaso na Lava Jato, pois, dentro e fora dos autos, as ações dos agentes públicos nela atuantes eram minuciosamente orquestradas”, disse. Segundo ela, “a fixação da competência, as decisões judiciais, as articulações legislativas, a larga utilização da imprensa, as manifestações públicas de seus procuradores e de seu mais famoso juiz, tudo integrava uma estratégia de fabricação da opinião pública em seu favor”.
Mesmo com tantas críticas, a criminalista fez questão de reconhecer a importância da operação: “Não se desconhece o fato de que a Lava Jato desnudou um empreendimento criminoso multifacetado, com a participação de inúmeras pessoas, durante muitos anos”. Ela, porém, ressalvou: “Mas, não se pode investigar fatos cometendo violações processuais”.
Leia abaixo a íntegra dos dois pareceres.