A necessidade de formalização das informações médicas em um termo de consentimento foi destacada pela presidente da Comissão Nacional de Direito Médico do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Carolina Mynssen. Com base na jurisprudência, ela afirmou que mesmo a gravação das consultas não é capaz de isentar os médicos de responsabilização por falta de cumprimento do dever informacional. “Em um julgado, o desembargador argumentou que a gravação não é fornecida ao paciente, enquanto o termo por escrito pode ser levado para a casa”, explicou a advogada durante o evento Novas tecnologias e a relação médico-paciente, realizado pela entidade na última terça-feira (2/12).
A 1ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, fez a abertura do evento e destacou o prazer em iniciar um debate tão importante. “Temos muitas discussões no Judiciário sobre a responsabilidade civil dos médicos e também dos hospitais, o que mostra a relevância do tema. Além disso, é um debate que nunca se esgota porque sempre surgem novos julgados”, afirmou a advogada.
Eduardo Ribeiro, que preside a Comissão de Responsabilidade Civil do IAB, também ressaltou a importância do webinar e reafirmou o compromisso da entidade com a difusão do conhecimento jurídico: “Estamos na vanguarda do Direito desde 1843 e por isso nos reunimos aqui”. Já Carolina Mynssen, que atua há 25 anos nesse mercado, apontou que o objetivo do encontro é enfrentar os temas atuais e futuros que cercam a área. “A contemporaneidade e a velocidade dos avanços tecnológicos mostram a necessidade de se aprimorarem práticas enquanto operadores do Direito”, completou.
O evento também contou com palestras do professor universitário e membro da Comissão de Responsabilidade Civil do IAB Marcelo Calixto, da membro da Comissão de Direito Médico, Saúde e Bioética do IAB e especialista em Direito Médico e Saúde Flavia Tapajóz, do membro da Comissão de Inteligência Artificial e Inovação do IAB Alexandre Magalhães Mattos e de Eduardo Ribeiro.

Da esq. para a dir., Eduardo Ribeiro, Amaury Marques, Flavia Tapajóz, Vitor Greijal Sardas e Marcelo Calixto
Ao falar dos casos de erro médico, Marcelo Calixto sublinhou que há entre esse profissional e o paciente uma relação de consumo. O entendimento é baseado em julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ), cujos magistrados reforçam o direito dos consumidores de serem informados de quaisquer riscos envolvidos nos procedimentos realizados. “A atividade médica é enquadrada no conceito de serviço e, por isso, quando falamos em erro médico estamos tratando do fato de esse serviço não ter atendido à legítima expectativa de segurança do consumidor. E, muitas vezes, o dilema jurídico tem base justamente na falta de informação sobre os riscos”, disse o advogado.
No mesmo painel, Flavia Tapajóz diferenciou os tipos de responsabilizações civis atribuídas ao erro médico. Segundo a advogada, ele pode ser subjetivo, quando há exigência de comprovação de culpa do profissional, ou objetivo, em que não há essa obrigatoriedade: “Nesse segundo caso, estamos falando, por exemplo, das promessas das cirurgias estéticas. Saber essa diferença, como profissionais do Direito, é necessário para entender o que pode ser exigido”. Tapajóz ainda explicou que, para haver responsabilidade no erro médico, é preciso provar o ato ilícito, o dano e o nexo causal entre a conduta e o dano.

Alexandre Magalhães Mattos
A relação entre a cirurgia robótica e a inteligência artificial foi abordada por Eduardo Ribeiro e Alexandre Magalhães Mattos, que apontaram os avanços e riscos dessa relação. “A tecnologia só cresce, mas precisamos do braço humano. Até porque, se ficarmos tecno dependentes, de quem será a responsabilidade civil de um possível dano?”, provocou Alexandre Magalhães Mattos. Ele apontou que, mesmo com o uso de IA, processos como a anamnese sempre serão fundamentais para a boa prestação do serviço médico.

Eduardo Ribeiro
Eduardo Ribeiro destacou que a adoção de sistemas autônomos na área médica exige a construção de protocolos rigorosos para reduzir riscos e garantir segurança jurídica. Segundo ele, é imprescindível que “o consentimento explique o uso de sistema autônomo, riscos específicos e imprevisibilidade do algoritmo em certas situações”, ressaltando que se trata de “uma tecnologia disruptiva onde a ausência de informação adequada, detalhada e clara aumenta o risco de responsabilização do médico e da instituição”.
Ao tratar da cirurgia robótica autônoma, o palestrante explicou que o robô deixa de ser mero instrumento para se tornar um agente decisório, capaz de “interpretar imagens, executar incisões e suturas sem intervenção humana”. Nessa realidade, ocorre uma “despersonalização do erro médico”, pois a falha pode decorrer de uma decisão algorítmica ou defeito de sistema. Para Ribeiro, isso justifica a adoção de um regime de responsabilidade objetiva para cadeia produtiva de software e IA e a redefinição do consentimento informado, garantindo que o paciente mantenha autonomia decisória.
O presidente da Comissão de Direito do Consumidor do IAB, Vitor Greijal Sardas, e a integrante das Comissões de Responsabilidade Civil e de Direito Médico do IAB Estefani Teixeira foram os mediadores dos painéis, que tiveram condução do diretor de Comissões da entidade, Amaury Marques.