A liberdade de expressão religiosa nos Estados Unidos, assim como explicou o membro da Comissão de Direito Religioso do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) Vítor Pimentel Pereira, é marcada pela centralidade da Primeira Emenda da Constituição americana, que privilegia a liberdade de expressão. Segundo ele, no país, esse direito é entendido como um preferred right, “condição necessária para manter a democracia”, gozando de primazia em relação a outros direitos fundamentais. “Pode ser dito um grande absurdo da perspectiva moral, mas lá, o Estado não perseguirá por isso”, disse o advogado durante o congresso Liberdade de Expressão Religiosa nos Sistemas Jurídicos Mundiais, promovido pela entidade nesta sexta-feira (12/12).
Na prática, Pereira destacou que a aplicação concreta desse modelo produz consequências “não apenas possíveis, mas reais”, inclusive a proteção de discursos profundamente ofensivos no espaço público. Ele analisou casos paradigmáticos julgados pela Suprema Corte dos EUA, como Snyder v. Phelps, no qual se decidiu que “não é possível reagir à dor causada punindo quem expressou uma opinião”, pois a escolha constitucional americana foi “proteger até mesmo o discurso odioso sobre assuntos públicos para assegurar que não se sufoque o debate público”.
O presidente da Comissão de Direito Religioso do IAB, Gilberto Garcia, abriu os trabalhos, que marcaram o segundo dia do congresso. Em sua fala, ele ressaltou que o objetivo do grupo não é tratar de religião ou fé. “Apesar, de ser uma Comissão com prisma religioso, nossos estudos tratam da visão jurídica e doutrinária em relação ao exercício da fé do cidadão”, disse o advogado, autor do livro Direito religioso: o exercício da fé sob o crivo da lei e da jurisprudência, lançado na Casa de Montezuma nesta quinta-feira (11/12).

Da esq. para a dir., João Theotonio Mendes de Almeida Jr, Gilberto Garcia e Manoel Messias Peixinho
O evento também contou com palestras dos professores universitários Manoel Messias Peixinho e Valéria Sant’Anna. Como debatedores dos painéis atuaram os professores João Theotonio Mendes de Almeida Jr, o diretor de Apoio Tecnológico do IAB, Luiz Henrique de Oliveira, e a conselheira da OAB/Barra Maria Elizabeth Nunes. Todos os participantes são membros da Comissão de Direito Religioso do IAB.
O contexto religioso do continente asiático foi tratado por Manoel Peixinho, cuja análise destacou um cenário marcado pela diversidade cultural, histórica e política. De acordo com ele, trata-se de uma realidade em que “não há um modelo único de relação entre Estado e religião”, sendo necessário compreender as especificidades de cada país para evitar interpretações simplificadoras. Peixinho afirmou que “a proteção da liberdade religiosa passa, necessariamente, pelo reconhecimento das particularidades culturais e institucionais de cada sociedade”, alertando que a simples transposição de modelos ocidentais pode gerar distorções.

Valéria Sant’Anna
Diante dos desafios que cercam a liberdade religiosa no continente africano, Valéria Sant’Anna pontuou que a colonização tem efeitos diretos nos problemas sociais da região. Mesmo após as guerras de libertação, ela pontuou que a África ainda enfrenta “abandono econômico, dependência financeira, austeridade e enfraquecimento institucional”. O processo civilizatório do continente, segundo a professora, foi interrompido pela intervenção europeia e, por isso, sua “base jurídica passa a ser, muitas vezes, a violência estrutural, a expropriação humana e a interrupção civilizacional”.

Da esq. para a dir., Luiz Henrique de Oliveira e Gilberto Garcia
Exemplificando o cenário, Luiz Henrique de Oliveira afirmou que “a maioria dos países africanos reconhece formalmente a liberdade religiosa em suas constituições, refletindo compromissos internacionais e aspirações de pluralismo”. No entanto, o advogado enfatizou a existência de regiões onde há perseguição de minorias e outros abusos relacionados à livre manifestação da fé: “Temos o exemplo do Senegal, conhecido por sua tradição de tolerância, com destaque para a convivência harmônica entre muçulmanos os cristãos. Por outro lado, em Burkina Faso, grupos jihadistas expulsam comunidades cristãs e promovem violência sistêmica, tornando todo o país mais perigoso para as minorias religiosas”.
Ao final do evento, o plenário recebeu a visita do presidente da OAB Nacional, Beto Simonetti, e do membro vitalício do Conselho Federal da Ordem Marcus Vinicius Furtado Coêlho, acompanhados da presidente nacional do IAB, Rita Cortez. “É sempre um privilégio me encontrar na sede de tantas lutas, ideias e ações. A história do Brasil é atravessada pelo Instituto”, comentou Coêlho, que também elogiou a iniciativa de debater a liberdade religiosa. “Induzir guerras em nomes da religião é a própria negação do nome de Deus”, opinou o advogado, que recebeu das mãos de Gilberto Garcia o livro lançado no evento.
A relação do IAB com a história da Ordem dos Advogados foi destacada por Beto Simonetti, que também afirmou grande alegria em estar na sede da Casa de Montezuma. “Os debates que são feitos nas nossas casas são atravessados pelo respeito, inclusive à liberdade religiosa – fundamental para a pacificação do mundo, já que muitas guerras têm esse fundo”, completou. O presidente do Conselho Federal sublinhou que a defesa desse direito, assim como de todos os outros, depende do bom trabalho da advocacia.