Olhar para as necessidades femininas a partir de diferentes recortes é uma das soluções para tornar ações legislativas e programas sociais mais efetivos. A posição foi defendida pela presidente da Comissão dos Direitos da Mulher do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), Claudia Maria Coelho Jensen, durante o evento Políticas públicas para mulheres: desafios e perspectivas em contextos de desigualdade estrutural, promovido pela entidade nesta quinta-feira (6/11). “Analisar as carências por região do País poderia ser uma forma mais assertiva de conduzir as ações do Estado, pois mulheres da região Norte possuem demandas diferentes daquelas que estão no Sul”, argumentou a advogada.
A presidente da Comissão de Direito e Políticas Públicas do IAB, Danielle Marques, fez a abertura do evento e destacou que o debate sobre o tema deve ser central para a democracia e a reparação histórica de grupos vulneráveis. “Precisamos refletir sobre a diversidade e as múltiplas interseccionalidades que permeiam o universo das mulheres brasileiras. Temos que considerar a existência de marcadores específicos de opressão e a transversalidade dos recortes identitários”, afirmou a advogada.
O evento também contou com a participação do vice-presidente da Comissão de Direito e Políticas Públicas do IAB, Emerson Affonso da Costa Moura; da presidente da Comissão de Direito Eleitoral do IAB, Vania Siciliano Aieta; da membro fundadora da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep) Isabel Mota; das membros das Comissões de Direito e Políticas Públicas Andreia Alvarenga e dos Direitos da Mulher Gloria Marcia Percinoto e do presidente da Comissão de Direito Financeiro e Tributário do IAB, Adilson Rodrigues Pires. A mediação dos debates ficou a cargo de Danielle Marques e da assessora da Presidência do IAB Flora Strozenberg.
Presidente do IAB, Rita Cortez ingressou na transmissão do webinar para parabenizar os debatedores pela iniciativa de colocar em pauta temas sensíveis ao universo feminino: “É uma alegria ter esse intercâmbio entre grupos, trocar ideias e traçar o diagnóstico de onde podemos atuar para colaborar com as políticas públicas, o que é fundamental para o Instituto”. Já Flora Strozenberg destacou a necessidade de permanecer na vanguarda da luta pela igualdade de gênero. “Temos alegria em estar aqui para dividir nossos saberes e discutir alguns direitos, com consciência de que esse debate é eterno”, afirmou.
Ao falar do papel do Estado nas políticas públicas de igualdade de gênero, Emerson Moura lembrou que o Brasil tem dados alarmantes quando se trata de violência. Segundo o Ministério da Justiça, em 2024 o País teve quase 1.500 feminicídios – o que representa um total de quatro mulheres assassinadas por dia. “O Estado não pode só ter várias políticas de gênero. É necessário fazer um recorte transversal e trazer medidas de aplicabilidade. É estranho que tenhamos há anos a Lei Maria da Penha, mas não tenhamos varas criminais especializadas no tema com presidência de juízas mulheres ou, ao menos, equidade de gênero entre os magistrados”, apontou.
A dificuldade de efetivação das medidas criadas em benefício das mulheres também foi comentada por Gloria Marcia Percinoto: “Primeiro, lutamos por espaço. Depois, pelo texto legal. Agora, lutamos para aplicar a lei. A luta não termina”. O recorte de raça foi trazido por Isabel Mota, cuja fala destacou a ausência de mulheres negras em espaços de poder. Ela apontou que há uma invisibilidade histórica no grupo, que é o mais vulnerável do País. “Precisamos entender a engenharia que move o racismo estrutural. Para fazer o jogo virar, temos que compreender suas regras. O debate é fundamental”, declarou.
Andreia Alvarenga falou sobre a inserção da mulher no mercado de trabalho e apontou que o estereótipo da “família tradicional brasileira” não é formada por pai, mãe e filhos brancos, mas sim por uma mulher negra que é mãe solo. “Muitas vezes, o homem não está nesse núcleo familiar ou está morto, em decorrência da necropolítica, ou está dentro do sistema prisional”, disse a advogada. Para ela, a política de encarceramento e outras violências sociais devem fazer parte da discussão por empurrarem mulheres vulneráveis para condições precárias de emprego.
A participação feminina na política foi tema da contribuição dada por Vania Aieta. Ela apontou que a violência de gênero, inclusive nos meios institucionais, é um dos índices que afastam mulheres de cargos eletivos. Aieta citou a Lei 14.192/21, que estabelece normas para combater a violência política contra a mulher nos espaços e atividades relacionados ao exercício de suas funções públicas. “Essa norma tirou o Brasil do grupo de países da América Latina que ainda não possui regras para prevenção sobre esse tipo de falta. É um importante passo”, afirmou.
As políticas públicas de natureza fiscal e tributária para ampliar o acesso das mulheres aos setores produtivo e de consumo foram abordadas por Adilson Pires. A comissão presidida pelo advogado já defendeu em plenário que o imposto sobre a renda pode estabelecer outras alternativas para a criação de um tratamento mais isonômico para as mulheres e incentivar que elas trabalhem. “Numericamente, a mulher só tem maioria no mercado de trabalho como servidoras pública e empregada doméstica. É um dado a ser superado”, enfatizou Pires.