Quando o assunto é a regulação do uso da inteligência artificial, os direitos fundamentais não podem vir como “remendo” à matéria, mas sim ser a base para o desenho da norma. É o que defende o diretor-presidente do Instituto DIA, Gáudio Ribeiro de Paula, no livro Desafios regulatórios da inteligência artificial: human rights by design, lançado no Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) nesta sexta-feira (10/10). Com uma análise que combina direito, tecnologia e filosofia, a obra convida juristas e formuladores de políticas a atuarem na construção de uma IA centrada no ser humano.
“No caso da IA, podemos perceber que os grandes players foram movidos com preocupações de uma natureza não propriamente jurídica. E essa ideia da centralidade do ser humano veio a ser defendida com grande força por uma série de entidades, mas existe um imenso desafio de efetivamente compelir esses players a adotarem instrumentos que possam salvaguardar direitos fundamentais”, apontou Gáudio Ribeiro de Paula.
Por isso, o autor defende a abordagem chamada human rights by design, que é uma estratégia de regulação tecnológica voltada à antecipação de riscos e preservação da dignidade humana. No entanto, Gáudio ainda vê o cenário global com pessimismo: “Acho muito difícil que esse tipo de abordagem seja utilizada hoje em dia. Entendo que temos dificuldade na contenção de riscos, mas, mesmo assim, essas reflexões e preocupações são necessárias”.

Da esq. para a dir., Sylvia Chaves, Gáudio Ribeiro de Paula, Marcia Dinis e Gustavo Martins de Almeida
O lançamento, promovido pelo projeto Saindo do Prelo, foi conduzido pela diretora Cultural do IAB, Marcia Dinis. Ela elogiou a obra e lembrou que a compreensão sobre os avanços tecnológicos é essencial para os operadores do Direito. “Para os advogados é preciso entender como a regulamentação pode estabelecer limites necessários sem deixar de colocar, em primeiro lugar, direitos e garantias que foram conquistados com muita luta e têm que ser preservados em todas as nossas ações”, disse a advogada.
A presidente e o membro da Comissão de Direito Digital do IAB, Sylvia Chaves e Gustavo Martins de Almeida, também participaram do evento. Uma das ideias levantadas por Gustavo de Almeida foi a apropriação cultural da inteligência artificial, nos moldes do movimento antropofágico proposto pelos modernistas de 1922. Ele lembrou que a maioria das IAs são estrangeiras e reproduzem conhecimentos de mundo centrados em uma visão eurocêntrica. “Já que sabemos que a inteligência artificial não é neutra, vamos usá-la positivamente para o desenvolvimento nacional. Vamos produzir áudiolivros com sotaque nordestino, por exemplo”, sugeriu o jurista.
A ausência de neutralidade desses assistentes digitais foi mencionada com preocupação por Sylvia Chaves, que destacou os perigos do enviesamento da IA. Em sua fala, ela pontuou que todo algoritmo é programado a partir de um olhar humano: “A sociedade ganhou muito com esses avanços, mas também existem pontos negativos. Mais um motivo para celebrar esse livro tão importante, que chama os desenvolvedores a terem consciência sobre questões como a discriminação”.