Gestão Rita Cortez

2025/2028

Da validade da cláusula de arbitragem no Contrato de Transporte em face da Seguradora sub-rogada

As disputas envolvendo os contratos de transporte e a validade da cláusula de arbitragem em face da seguradora sub-rogada parecia ter sido pacificadas através da excelente decisão da relatora Ministra Maria Isabel Gallotti (REsp n. 1.988.894/SP).
No entanto, conforme veremos neste artigo a nova lei 15.040/2024 (Lei do Contrato de Seguro) traz inúmeros dispositivos que impacta a arbitragem no Brasil, especialmente o Art. 129, ao fortalecer os mecanismos alternativos de resolução de disputas e exigir que, se não houver acordo prévio, a arbitragem ocorra no país e siga o Direito brasileiro. A nova lei, que entra em vigor em dezembro de 2025, revoga o capítulo do contrato de seguro do Código Civil e cria um marco legal para o setor mas lamentavelmente impacta os princípios da lei de arbitragem no Brasil.

1) Da Decisão do STJ
Em 2 de Maio de 2023 a 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça do Brasil (“STJ”) proferiu decisão unanime analisando pontos controversos na justiça brasileira quanto a cláusula de arbitragem contida no Conhecimento de Transporte. Nesse sentido, o Superior Tribunal de Justiça, ao analisar recurso especial (i) reconheceu a validade da cláusula compromissória referenciada no Conhecimento de Embarque perante a seguradora sub-rogada no direito de seu segurado, e (ii) reconheceu que o Conhecimento de Embarque não se trata de um contrato de adesão, sendo assim, a cláusula compromissória nele referenciada é válida perante a justiça brasileira.
Ambos os pontos são discussões constantes na justiça brasileira e com um enorme impacto nas ações ajuizadas pelas seguradoras com base em contratos de transporte marítimos com cláusulas arbitrais. No referido caso, o BL continha cláusula arbitral indicando a London Maritime Arbitrators Association (LMAA) como instituição arbitral responsável para analisar os conflitos oriundos do transporte marítimo.
Assim, o presente trabalho irá expor o caso (Recurso Especial Nº 1.988.894 – SP ), levantando os argumentos trazidos pelas partes e como foram interpretados pelo STJ. Nesse sentido, serão abordados de forma separada os dois pontos principais mencionados acima e os motivos que levaram a 4ª Turma do STJ a entender que “a despeito de a sub-rogação legal em favor da seguradora não importar transmissão automática de cláusula compromissória, a ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia resulta na submissão à jurisdição arbitral”.

O caso
Mapfre Seguros Generales de Colombia S/A (“Mapfre”), seguradora colombiana sub-rogada nos direitos de sua segurada, Empresas Públicas de Medellín, ajuizou ação regressiva contra Log Wisdom (sediada em Taiwan), Thorco Shipping (“Thorco” sediada em Copenhagen) e GRT Shipping (“GRT” sediada em Mumbai). Nessa esteira, alegou que ocorreu, durante o transporte marítimo de Santos (Brasil) para Barranquilla (Colômbia), dano a carga de peças para a construção de uma usina hidrelétrica, devido problemas na amarração e armazenagem da carga. Assim, os réus, por serem responsáveis pelo transporte marítimo seriam, consequentemente, responsáveis solidariamente pelos danos incorridos, sendo Log Wisdom a proprietária da embarcação, Thorco a afretadora e GRT o agente logístico.
As partes foram citadas por meio da Reliance Agenciamento (supostamente representante da Log Wisdom e Thorco Shipping) e Asia Shipping (supostamente representante da GRT), tendo esta última alegado, dentre outros argumentos, que não era representante da GRT e não poderia receber citação em seu nome. Contudo, após a ausência de contestação da GRT, Thorco e Log Wisdom, foi proferida sentença entendendo que a Asia Shipping tinha efetivamente poderes para receber citação em nome da GRT, não acolhendo as suas defesas de mérito e julgando procedente a demanda condenando as partes ao pagamento de indenização.
Após a prolação da sentença de primeira instancia, além da Asia Shipping, as partes Thorco e Log Wisdom ingressaram ao feito também interpondo um recurso de apelação. Argumentaram que a sua citação por meio da Reliance seria nula, e ressaltaram a incompetência da justiça brasileira para julgar o feito, indicando a existência de cláusula arbitral tanto no conhecimento de embarque como no contrato de afretamento:
No contrato de afretamento: “No evento de uma disputa entre as partes, estas devem promover esforços para resolvê-la amigavelmente. Se as partes não conseguirem se resolver amigavelmente, toda disputa deve ser submetida à arbitragem de Singapura, de acordo com os termos do Ato de Arbitragem de 1996 e as normas vigentes na Associação de Arbitragem Marítima de Londres.” (fls. 1.303 a 1.334)
No conhecimento de embarque: “4. Law and Jurisdiction. This Contract shall be governed by and construed in accordance with English law and any dispute arising out of or in connection with this Contract shall be referred to arbitration in London. Arbitration shall be conducted in accordance with one of the following procedures of the London Maritime Arbitrators Association (LMAA) applicable at the date of the commencement of the arbitration proceedings.”

Em sequência, os autos foram encaminhados para o Tribunal de Apelação que ao analisar o feito entendeu que além das citações serem todas nulas, a justiça brasileira seria incompetente para julgar a lide.
Dessa forma, o Tribunal de Apelação decidiu por extinguir o feito, entendendo que (i) o Conhecimento de Embarque em questão não se trata de contrato de adesão e que (ii) tal clausula compromissória seria válida perante a seguradora que haveria se sub-rogado no direito de sua segurada.
Perante tal decisão do Tribunal da Apelação, a seguradora interpôs recurso especial, qual seja, o recurso cabível ao Superior Tribunal de Justiça. Ressalta-se que o Superior Tribunal de Justiça é responsável por julgar, dentre outros, demandas em que a decisão do Tribunal de Apelação contraria tratado ou lei federal, bem como decisão que dá a lei federal interpretação diversa da que lhe haja atribuído outro tribunal (artigo 105, III da Constituição Federal). Tal finalidade visa equiparar a jurisprudência nacional e garantir a correta aplicação de lei federal.
Assim, a Seguradora interpôs recurso especial se insurgindo contra a nulidade das citações e a extinção do feito pela existência de cláusula arbitral, argumentando quanto a este último ponto que o acórdão:
(i) desconsiderou que a arbitragem deve ser expressa e voluntária, o que não ocorreria quando a cláusula arbitral aparece adesiva imposta no contrato de transporte marítimo — ou no contrato de afretamento com os quais a seguradora não tem relação. Nesse sentido, haveria a violação aos artigos 421, 423 e 424 do Código Civil ;
(ii) ignorou que, em contratos de adesão, sua eficácia exige do aderente concordância expressa, por escrito, em documento apartado e com assinatura própria para isso, o que não haveria ocorrido no presente caso. Nesse sentido, haveria a violação à Lei de Arbitragem artigo. 4ª, §2ª ; e
(iii) não considerou que, mesmo que o segurado a tivesse aceitado, a cláusula compromissória permaneceria ineficaz em relação à seguradora sub-rogada— que não é parte do contrato de transporte nem do afretamento que o antecede, e não a recebe pela sub-rogação legal. Nesse sentido, haveria a violação ao Código Civil artigo 786, §2º ;
As partes Log Wisdom, Thorco e Asia Shipping apresentaram contrarrazões a tal recurso, rebatendo os argumentos da seguradora quanto a validade da cláusula arbitral, afirmando em suma que:
(i) as empresas que integram a lide possuem o mesmo porte econômico e ampla experiência na importação de mercadorias pelo modal marítimo, assim presume-se a paridade prevista no artigo 421-A do Código Civil. Dessa forma, a alegada natureza de adesão dos contratos não retiraria a validade de cláusulas compromissórias como de eleição de foro e arbitragem, devendo as partes fazerem prova de circunstância excepcional de hipossuficiência. A fim de fortalecer tal argumentação foram apresentados diversos julgados ;

(ii) em relação a suposta violação ao artigo 423, também não ocorreu, pois não há ambiguidade em nenhum dos inúmeros contratos acostados aos autos, os quais contavam com redação asserta tanto de eleição de foro estrangeiro quanto de arbitragem;

(iii) o transporte em questão envolve projeto de construção de usina hidrelétrica e as partes que permearam o negócio são grandes empresas que possuem os meios, e auxílio jurídico no processo de negociação dos contratos, podendo, inclusive, rejeitar a cláusula de arbitragem durante a negociação do transporte internacional;

(iv) em relação à suposta violação ao artigo. 4ª, §2ª da Lei de Arbitragem, alega que é fato inconteste o prévio conhecimento da seguradora sobre a escolha pelo juízo arbitral quando celebrou o contrato de seguro, de modo que anuiu, ainda que tacitamente, com a escolha de sua segurada;

(v) e quanto à alegada violação ao Código Civil artigo 786, §2º, afirma que o artigo 25 do Código de Processo Civil que trata da incompetência do juizado brasileiro para julgar demandas oriundas de instrumentos com cláusula de eleição de foro, não inclui o segurador sub-rogado em suas hipóteses de exceção. Assim, alega que não era intenção do legislador permitir desvantagem do terceiro em face do segurador, pois trata-se de uma desvantagem que não haveria perante o contratante original (o segurado);

(vi) ainda nessa esteira, alega que o artigo 786 engloba “todos os direitos e ações que ao segurado competirem contra terceiro”, assim a seguradora não seria sub-rogada apenas quanto ao crédito, mas todo direito do segurado, inclusive a cláusula de eleição de foro pactuada no transporte marítimo. Nesse sentido, não poderia ter direito maior do que seu segurado e a cláusula arbitral não seria personalíssima pois qualquer parte pode fazer integrar o processo arbitral. Na mesma esteira, ressalta o artigo 349 do Código Civil que estabelece que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida contra o devedor principal e os fiadores”, utiliza a palavra ações, enfatizando que tal sub-rogação vai além do crédito;

(vii) cabia à seguradora, nos termos do artigo 785 do Código Civil buscar as informações que poderiam influir na aceitação do seguro (tal como a cláusula de eleição de foro estrangeiro). E na mesma esteira, nos termos do artigo 766 cabia ao segurado o dever de informação de tal cláusula, sob pena de perder o direito a garantia; e por fim,

(viii) nos termos do artigo 63 do Código de Processo Civil , como sucessora de seu segurado, a Mapfre fica obrigada a respeitar a eleição de foro originalmente pactuada;

Após a análise de tais argumentos, em 2 de maio de 2023, o Superior Tribunal de Justiça deu seu veredito, por meio de decisão unanime, no sentido de rejeitar o recurso especial da Mapfre, reconhecendo a validade da cláusula contida no conhecimento de embarque, inclusive perante a seguradora. Os pontos considerados pela decisão serão expostos a seguir.
A) A validade da clausula de arbitragem no conhecimento de transporte
Em relação à argumentação de impossibilidade de incidência da cláusula compromissória de arbitragem pela natureza de adesão do Conhecimento de Embarque, a Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti ressaltou que o “contrato de adesão possui como elementos essenciais a uniformidade, a predeterminação e a rigidez das cláusulas gerais elaboradas unilateralmente, bem como a indeterminação de possíveis aderentes em razão da proposta permanente e geral”.
Assim sendo, ressaltou que “a circunstância de o contrato ser materializado por formulário e a existência de cláusulas padronizadas não implica a necessária conclusão de se tratar de contrato de adesão. Para tanto, cumpre esteja presente a característica de contratualidade meramente formal, vale dizer, que a parte não responsável pela prévia determinação uniforme do conteúdo do contrato tenha meramente aderido ao instrumento, sem aceitar efetivamente as suas cláusulas”.
Sobre esse ponto, importante notar que o julgado não se adentrou aos fatos que permearam a negociação das partes, tendo apenas referenciado aos fatos trazidos do acórdão do Tribunal de Apelação então recorrido. Faz-se notar que tal forma de julgamento encontra respaldo na súmula 7 do STJ no sentido que não cabe tal tribunal superior realizar os fatos do caso, mas tão somente a aplicação do direito sob fatos já delineados nos acórdãos. Nesse sentido, a Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti pontou:
“Hipótese em que o Tribunal de origem, soberano na análise do conteúdo fático e contratual, entendeu tratar-se de contrato paritário, em razão do significativo porte econômico da contratante do transporte internacional e do elevado valor do bem transportado, concluindo pela efetiva anuência à cláusula compromissória expressa no contrato”
Em outras palavras, a decisão tomou como fato o apontado pelo Tribunal que julgou a apelação, que à época enfatizou que “não haveria que se falar em “hipossuficiência do segurado da Apelada que certamente sabia da cláusula compromissória e anuiu com a submissão de eventuais conflitos decorrentes do contrato à arbitragem”.

B) Da aplicação da cláusula de arbitragem ao segurador
Quanto à impossibilidade de incidência da cláusula compromissória perante a seguradora por supostamente não haver concordância expressa, a decisão entendeu que a ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral resulta na sua submissão à referida jurisdição.
Importante notar que a Ministra Relatora Maria Isabel Gallotti considerou o presente caso como a hipótese de seguro garantia, uma vez que o objeto do Contrato de Seguro era justamente a execução do Contrato de Transporte, substanciado pelo Conhecimento de Embarque, garantindo o pagamento de prêmio caso tal obrigação não fosse cumprida.
Dessa forma, entendeu a Ministra Relatora que a existência da clausula compromissória integrava o risco objeto da própria apólice securitária, dado que se tratava de elemento objetivo a ser considerado na avaliação de risco pela seguradora, nos termos do artigo 757 do Código Civil .
Assim ressaltou que “não há como se afastar o conhecimento prévio da seguradora da existência de cláusula compromissória no contrato de transporte marítimo de cargas objeto da apólice securitária”. Ainda, citou o entendimento do Tribunal de Apelação que se trata de regra padrão em transporte marítimo internacional, da qual a seguradora tinha, ou pelo menos deveria ter, pleno conhecimento no momento da emissão da apólice de seguro.
Acatou também a argumentação dos Réus de que a sub-rogação se dá quanto ao direito, não cabendo o sub-rogado não pode ter mais direito do que aquele que o transmitiu. E ainda adicionou: “a cláusula compromissória não pode ser compreendida como condição personalíssima da parte, justamente por se tratar de instituto legal genérico e comum aplicável a qualquer contratante capaz, não derivando de característica pessoal cuja prestação não poderia ser efetuada por terceiro”.
Como informado, foram aplicados ao caso concreto os fatos da demanda e a modalidade de seguro garantia, sendo ressaltado que a sub-rogação legal em favor da seguradora não importa necessariamente transmissão automática de cláusula compromissória. Dessa forma, sob seu entendimento, é necessária, portanto, a presunção de ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia.
Quanto ao argumento da seguradora de que seria ineficaz qualquer ato do seu segurado que diminuísse ou extinguisse o seu direito (artigo 786, § 2° do Código Civil), a decisão esclareceu que tal dispositivo de lei “refere-se aos atos praticados posteriormente à celebração do contrato de seguro e/ou sem o conhecimento da seguradora, justamente em virtude da exigência legal de ciência prévia para se estipular os riscos predeterminados garantidos”.

Por fim, a Ministra Relatora observou que “afastar a sub-rogação na cláusula arbitral, previamente exposta à aprovação da seguradora e de conhecimento de todos, implicaria submeter as partes do contrato de transporte marítimo ao arbítrio da contraparte na livre escolha da jurisdição aplicável à avença, pois dependente única e exclusivamente da seguradora escolhida pelo consignatário da carga”.

Assim sendo, tal decisão foi acompanhada por unanimidade pela 4ª Turma, participando da votação os Ministros Antonio Carlos Ferreira, Marco Buzzi e Raul Araújo, e, atualmente, aguarda-se o julgamento dos embargos de declaração opostos pelas partes.

O impacto da decisão
Importante notar que tal decisão não acarreta necessariamente em uma pacificação em relação ao tema, isto porque, diferentemente de um país de common law, no Brasil, por ser um país de Civil law, não atribui o mesmo efeito vinculativo as suas decisões.
O próprio site do Superior Tribunal de Justiça esclarece sobre esse tema: “Uma decisão do STJ em determinado sentido trata-se de um precedente. Tem aplicação para as partes diretamente envolvidas no processo e não possui efeito vinculante. Caso se trate de um recurso especial repetitivo, a tese firmada neste único julgamento deverá ser aplicada para a solução das demais causas que versem sobre o mesmo tema, tanto em tramitação no STJ, como nas demais instâncias da Justiça brasileira. Elas servem para orientar os magistrados, mas não obrigam que os demais julgadores a observem, como ocorre com algumas decisões do Supremo Tribunal Federal. O STJ é um tribunal de precedentes. Quando há um conjunto de decisões judiciais que interpretam determinada norma da mesma forma, cria-se jurisprudência. Esta jurisprudência, estável e sólida, é o que deve orientar os magistrados de todo o país na solução de conflitos” .
Nesse sentido, importante notar que em outros momentos, decisões diversas do Superior Tribunal de Justiça foram proferidas sobre o tema. A própria decisão ressalta que a Terceira Turma possuía dois julgados no sentido de que “o instituto da sub-rogação transmite apenas a titularidade do direito material, isto é, a qualidade de credor da dívida, de modo que a cláusula de eleição de foro firmada apenas entre a autora do dano e o segurado (credor originário) não é oponível à seguradora sub-rogada” .
Evidenciando tal inconsistência ressalta-se que em breve momento posterior a decisão ora debatida, o Ministro Marco Aurélio Belizze da 3ª Turma votou no sentido contrário, monocraticamente, mantendo decisão que havia considerado inoponível ao segurador sub-rogado a cláusula de arbitragem estrangeira em contrato internacional de transporte de carga:
“Em relação a questão de fundo, como se observa das razões expendidas, o acórdão recorrido adotou solução em consonância com o entendimento desta Corte no sentido de que cabe ao Poder Judiciário, nos casos em que prima facie é identificado um compromisso arbitral claramente ilegal, declarar a nulidade dessa cláusula” (REsp n. 2.058.388, Ministro Marco Aurélio Bellizze, DJe de 29/06/2023.)

Contudo, outras decisões mais recentes, inclusive de juízes da Terceira Turma, vêm indicando que o precedente ora discutido vem sendo implementado. Nesse sentido:
“CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REGRESSIVA. SUB-ROGAÇÃO DA SEGURADORA. TRANSMISSIBILIDADE DA CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA. POSSIBILIDADE. RECURSO PROVIDO. 1. Ação regressiva ajuizada em 11/12/2020, da qual foi extraído o presente recurso especial, interposto em 9/2/2023 e concluso ao gabinete em 13/6/2023. 2. O propósito recursal consiste em decidir se a sub-rogação transfere à seguradora a cláusula compromissória prevista no contrato assinado pelo segurado. 3. O art. 379 do Código Civil estabelece que “a sub-rogação transfere ao novo credor todos os direitos, ações, privilégios e garantias do primitivo, em relação à dívida, contra o devedor principal e os fiadores”. 4. Especificamente em relação aos contratos securitários, cuja sub-rogação é legal, o art. 786 dispõe que “paga a indenização, o segurador sub-roga-se, nos limites do valor respectivo, nos direitos e ações que competirem ao segurado contra o autor do dano”. 5. A sub-rogação prevista no art. 786 do CC/02 opera a transferência à seguradora dos direitos e ações que competiam ao segurado, incluindo as cláusulas assessórias e formas de exercício do direito de ação, entre as quais se insere a cláusula compromissória. 6. Recente julgado desta Corte no sentido de que “a ciência prévia da seguradora a respeito de cláusula arbitral pactuada no contrato objeto de seguro garantia resulta na sua submissão à jurisdição arbitral, por integrar a unidade do risco objeto da própria apólice securitária, dado que elemento objetivo a ser considerado na avaliação de risco pela seguradora, nos termos do artigo 757 do Código Civil” (REsp 1.988.894/SP, Quarta Turma, julgado em 9/5/2023, DJe 15/5/2023). 7. Na hipótese dos autos, seguradora recorrida se sub-rogou nos direitos do segurado, o qual firmou contrato de transporte de mercadorias com cláusula compromissória. Como consequência, há que se reconhecer a incompetência do juízo estatal para examinar a presente ação regressiva em face das recorrentes. 8. Recurso especial conhecido e provido para reformar o acórdão estadual e extinguir o processo sem julgamento de mérito, em razão da existência de cláusula compromissória” (REsp n. 2.074.780/PR, relatora Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 22/8/2023, DJe de 24/8/2023.)
* * *
Diante das premissas lançadas no acórdão de origem, depreende-se que, a despeito de a sub-rogação legal em favor da seguradora não importar transmissão automática de cláusula compromissória, a ciência prévia da seguradora a respeito de sua existência no contrato objeto de seguro garantia resulta na submissão à jurisdição arbitral. (REsp n. 2.034.586, Ministra Maria Isabel Gallotti, DJe de 16/08/2023.)

Nova Lei de Seguro e o Impacto na Arbitragem

Os principais pontos controversos sobre a arbitragem na Lei 15.040/2024:

a)Acordo prévio:
A arbitragem não pode ser imposta unilateralmente, sendo necessária uma cláusula específica ou um acordo prévio entre as partes.
Difícil implementar este acordo prévio previsto na lei pois não há como exigir que em todos os contratos de transporte figure a seguradora como parte neste contrato. A seguradora é contratada pelo dono da carga e é sub-rogada nos direitos e deveres de seu segurado. Para efetuar o seguro usualmente a seguradora recebe uma cópia do contrato de transporte objeto do seguro. Portanto, não faz sentido ter um terceiro contrato entre a transportadora e a seguradora. Qual foi a intenção da lei com este dispositivo? Será que deseja evitar o cumprimento da decisão mencionada no tópico anterior.
b) Territorialidade:
A Lei 15.040/2024 exige que a arbitragem ocorra no Brasil, mesmo para litígios envolvendo contratos de seguro internacionais.
Art. 129 Nos contratos de seguro sujeitos a esta Lei, poderá ser pactuada, mediante instrumento assinado pelas partes, a resolução de litígios por meios alternativos, que será feita no Brasil e submetida às regras do direito brasileiro, inclusive na modalidade de arbitragem.”
O cerne do nosso problema está nos Art. 129 acima, e sobre o qual já conversamos, que limita a convenção de arbitragem ao Brasil e à aplicação da Lei Brasileira, necessariamente. Como sabe, a Lei de Arbitragem não apresenta qualquer restrição à eleição de legislação ou foro estrangeiro, desde que haja consenso entre as partes contratantes. A Nova Lei de Seguros vai além, e busca atrelar os litígios e arbitragens decorrentes de contratos de seguros à lei e à jurisdição brasileiras. Esse dispositivo está sendo duramente criticado, porque além de restringir a liberdade das partes contratantes, o texto da lei pode levar um desestímulo para a realização de arbitragens no Brasil.
c) Direito aplicável:
As decisões arbitrais devem ser submetidas às regras do Direito brasileiro.
d) Transparência e confidencialidade:
O Art. 129 da nova lei contribui para a transparência estruturada, permitindo que a arbitragem continue a ser um mecanismo eficiente para disputas técnicas e estratégicas no setor.
O parágrafo único do art 129, estabelece que “a autoridade fiscalizadora disciplinará a divulgação obrigatória dos conflitos e das decisões respectivas, sem identificações particulares, em repositório de fácil acesso aos interessados” também é bastante criticado, já que fere o princípio da confidencialidade, que deve reger o procedimento arbitral.

O Art. 83 estabelece que, uma vez negada a cobertura, a seguradora só está obrigada a entregar documentos e demais elementos probatórios que sejam considerados confidenciais ou sigilosos por lei ou que possam causar danos a terceiros em razão de decisão judicial ou arbitral. O dispositivo é obviamente problemático, porque fere o livre acesso à informação e é contrário à boa-fé objetiva. Com relação à arbitragem, seria o caso de aplicação do art. 22-C da Lei de Arbitragem, que estabelece o procedimento para a expedição de carta arbitral (que visa a oitiva de testemunhas, realização de prova pericial e obtenção de outros documentos
Art. 83. Negada a cobertura, no todo ou em parte, a seguradora deverá entregar ao interessado os documentos produzidos ou obtidos durante a regulação e a liquidação do sinistro que fundamentem sua decisão.
Parágrafo único. A seguradora não está obrigada a entregar documentos e demais elementos probatórios que sejam considerados confidenciais ou sigilosos por lei ou que possam causar danos a terceiros, salvo em razão de decisão judicial ou arbitral.

O Art. 130 propõe fazer o mesmo com os litígios judiciais, estabelecendo uma nova hipótese de competência absoluta não prevista no Art. 23 do CPC.

Art. 130. É absoluta a competência da justiça brasileira para a composição de litígios relativos aos contratos de seguro sujeitos a esta Lei, sem prejuízo do previsto no art. 129 desta Lei.

O Art. 131 e parágrafo único também trazem disposições que limitam a competência para as ações que versem sobre contratos de seguro às cortes brasileiras.

Art. 131. O foro competente para as ações de seguro é o do domicílio do segurado ou do beneficiário, salvo se eles ajuizarem a ação optando por qualquer domicílio da seguradora ou de agente dela.
Parágrafo único. A seguradora, a resseguradora e a retrocessionária, para as ações e as arbitragens promovidas entre si, em que sejam discutidos conflitos que possam interferir diretamente na execução dos contratos de seguro sujeitos a esta Lei, respondem no foro de seu domicílio no Brasil.

Conclusão
A nova lei de seguros gerou controvérsia no meio da arbitragem pois, traz dispositivos que não estão de acordo com a Lei nº 9.307/96 que disciplina a Lei Geral de Arbitragem. Fica aqui uma indagação porque as seguradoras brasileiras precisam dispor na sua lei específica de artigos que contrariam o princípios da lei da arbitragem ?

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