De repente surgiu um "monstro" no cenário jurídico/político/midiático no entorno da Capital Federal (Brasília), numa região de fronteira entre o Estado de Goiás e o Distrito Federal, território conhecida como terra de ninguém, onde as autoridades convenientemente indecisas não assumem suas responsabilidades acerca da incidência de suas competências governamentais. Tal localidade (conhecida como entorno) torna-se verdadeiro buraco negro para fins de assistência/presença estatal. Lá, diante da ausência da autoridade do Estado, prevalece, ordinariamente, a lei do mais forte ou da violência. Nessa onda de "empurra-empurra" falta a presença do Estado em sua mais ampla expressão.
Quando presidente da Comissão de Direitos Humanos do Conselho Federal da OAB, por lá estive em audiências públicas, em parceria com o Ministério Público de Goiás. Ouvíamos a população nas suas carências e o que mais se destacava era a falta de segurança pública, predominando a violência, motivada pelo tráfico e outros crimes em geral, era comum os corpos vitimados passarem dias expostos nas vias públicas por ausência do IML para recolhê-los.
Políticas Públicas para a região inexistiam. Verdadeira terra arrasada. Neste submundo, em que predomina esta realidade, facilmente prospera a teoria de que o "homem é o produto do meio" com suporte no entendimento do jusnaturalista Rousseau, de "o ser humano nasce bom e a sociedade o corrompe".
Desse modo, facilmente nascerão e prosperarão os "monstros", formados por toda espécie de injustiça político-social. Nascido numa região interiorana da Bahia, localizou-se neste ambiente abandonado pelo poder estatal. Edificou seu caráter e concepção de vida enveredando pelo crime e graduando-se e pós-graduando-se na escola da criminalidade violenta.
Lázaro Barbosa de Sousa se revela para o mundo midiático como a estrela do mal, ganhou fama após assassinar de forma cruel e atroz uma família inteira de moradores rurais da região, segundo foi noticiado.
Este "monstro", como ficou conhecido e alardeado por parte da mídia, não surgiu do nada, ao contrário, teve todas as condições para nascer e evoluir no vácuo deixado pelo Estado, responsável por políticas públicas que permitissem a formação de uma sociedade minimamente equilibrada socialmente, em que pessoas desfavorecidas de bens materiais tivessem acesso à escola, saúde, lazer, ocupação útil, moradia, etc., desviando-se do mundo do crime. Foi nesse ambiente de ausência do Poder Público, próprio para desenvolverem-se as condutas infracionais e/ou criminosas, que a mídia divulgou e alardeou o nome de Lázaro Barbosa de Sousa como o supremo representante do crime violento, aterrorizando o país pelas manchetes dos meios de comunicação.
Ao ser eliminado pelo Poder Público, sob a comum alegativa de "reação ao comando da autoridade para entregar-se", após incessantes buscas na região do entorno da capital do centro do poder, Brasília, houve comemorações com palmas e gritos de vitória pela eliminação do perigoso assassino. Sem nenhuma dúvida que foi transformado em periculoso meliante.
O seu histórico policial indicava uma vida pregressa pontilhada por reincidências, que para o "senso comum" não haveria possibilidade de recuperação, seu destino estava traçado. Prendê-lo mais uma vez para quê? Perder tempo com um irrecuperável ? Onerar um sistema prisional já superlotado e falido? Tudo isto encaminhava para uma saída, a mais fácil, sua eliminação diante de uma "suposta reação" no confronto com a polícia. Estava tudo encerrado com a vitória dos agentes públicos, já estressados e com o seu brio maculado pelas inexitosas tentativas em prender o monstro.
Consumado o ato, era necessário aplaudir a vitória dos agentes do Estado num verdadeiro frenesi, pois finalmente venceram, eliminaram mais um monstro. A segurança da sociedade, que realmente precisa ser feita, estava mantida. O Poder Público cumpriu o seu dever constitucional, sem dúvida.
Cuidar da segurança pública, não obstante, tem também o Estado o dever de desenvolver políticas públicas capazes de impedir que jovens cresçam desassistidos nos seus direitos fundamentais: educação, oportunidade de trabalho, saúde, moradia digna, dentre outros.
Diante de tudo isso fica, ainda, a indagação que ninguém ousa responder, fazem ouvidos mocos, de mercador, e tornam-se cegos e mudos por conveniência diante da imensa responsabilidade embutida na resposta: quem é o responsável pela criação do "monstro" Lázaro Barbosa de Sousa e tantos outros lázaros que sobrevivem no submundo social?