Diante das intenções autoritárias reveladas cotidianamente nas investigações da Polícia Federal sobre o episódio, o relator do parecer apresentado pela Comissão de Criminologia, Rafael Borges, destacou que não é conveniente ao Congresso aprovar o projeto. “Anistiar golpistas a um tempo em que sequer existe clareza sobre a capilaridade da trama, o nível de envolvimento de agentes de segurança pública e das Forças Armadas, as fontes de financiamento da tentativa de golpe e até mesmo eventuais conexões internacionais, é evidentemente prematuro, inconveniente e alérgico à boa técnica jurídica”, defendeu o advogado.
Leila Bittencourt
A consócia Leila Bittencourt, que fez a relatoria do parecer da Comissão de Direito Constitucional, lembrou que o autor do projeto de lei, senador Hamilton Mourão (Republicanos/ RS), era vice-presidente do ex-chefe do Poder Executivo, cuja relação com os crimes do 8 de janeiro é alvo de investigação: “Para um membro do governo derrotado, que integrava o grupo que praticou os atos golpistas, é suspeito para avaliar o conjunto probatório elencado nos autos daqueles processos”.
João Carlos Castellar
Segundo João Carlos Castellar, relator do parecer da Comissão de Direito Penal, diferente do que a justificativa do projeto de lei afirma, a invasão às sedes dos Três Poderes não foi um simples protesto. “O que restou apurado foi a realização de uma sucessão de fatos intencionalmente praticados por integrantes da cúpula do governo Bolsonaro e por seus seguidores, com a finalidade de, por meios violentos, abolir o Estado Democrático de Direito e depor, através de golpe de Estado, o governo legitimamente eleito”, apontou.
Castellar afirmou que o objetivo das invasões torna inaplicável aos acusados e condenados o excludente de ilicitude previsto no Código Penal. A norma só é empregada quando a ação se refere à atividade jornalística ou à reivindicação de direitos e garantias constitucionais por meio de manifestação política com propósitos sociais. O advogado defendeu que as condenações estão de acordo com a norma jurídica brasileira, sem exageros ou desproporcionalidade: “As penas cominadas para as condutas criminosas perpetradas foram previamente votadas pelo Congresso Nacional, lembrando que a Lei 14.197, que instituiu os crimes contra o Estado Democrático de Direito, veio à lume em 2021”.
Ainda de acordo com Rafael Borges, a anistia como instrumento de política criminal é indispensável para mitigar o alto índice de encarceramento do Brasil, no entanto, não convém ser usada quando o objetivo é conter os danos produzidos por pessoas e grupos em desalinho com a ordem democrática. “Quando se cogita anistiar golpistas, cogita-se fazer uso de ferramenta democrática de controle do poder punitivo justamente em favor de pessoas que menoscabaram da democracia, sugerindo que nossas instituições acabassem ou ficassem submetidas a um comando único e autoritário, quiçá armado”, sublinhou o advogado.
Lembrando que a anistia tem como origem histórica e etimológica o esquecimento, Leila Bittencourt ressaltou que o instituto não pode ser aplicado em um caso que precisa ser lembrado, justamente para evitar sua repetição. Além disso, ela destacou que os agentes envolvidos nos atos terroristas permanecem instigando a abolição da democracia. “Como perdoar por atos que continuam perpetrados pelo mesmo grupo de apoiadores do ex-presidente da República, conforme a convocação para os protestos do dia da proclamação da República, em 15 de novembro de 2023?”, questionou a consócia.
A relatora pontuou, ainda, que todos os processados tiveram oportunidade de defesa. Do mesmo modo, ela afirmou que violações a prerrogativas dos advogados contratados pelos acusados não foram provadas, invalidando o uso do cerceamento da defesa como argumento para a anistia. “Questionamentos sobre atuação dos advogados nunca foram nem serão motivação para aprovação de anistia dos condenados que agiram contra a democracia”, completou Bittencourt.