A palestra fez parte do Bicentenário da independência do Brasil e a realidade histórica do povo negro: paradoxos, dilemas e desafios entre passado, presente e futuro, tema central do VI Colóquio da Comissão de Direito Constitucional do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB), presidida por Sérgio Sant’Anna. O evento foi aberto pelo secretário-geral do IAB, Jorge Folena, que mediou o painel do qual participaram Ynaê Lopes dos Santos e o professor de História Econômica e Social da Universidade Federal Fluminense (UFF) Cezar Teixeira Honorato.
O acadêmico comentou a situação de desamparo enfrentada pelos escravos libertados sem formação e emprego: “Após a Abolição da Escravatura, foram construídos inúmeros mecanismos jurídicos, políticos e sociais, que perpetuaram a desigualdade racial”. Um dos mecanismos citados por ele foi a edição, em 20 de junho de 1888, da lei que, um mês após a libertação dos escravos, permitiu a repressão policial à ociosidade. Ele também mencionou o Código Penal de 1891, que tipificou o crime de vadiagem. “De 1907 a 1910, a polícia realizou 9.772 detenções por vadiagem, sendo que 6.596 dos detidos eram negros ou pardos”, informou. Ao final do painel, Jorge Folena comentou: “As duas palestras demonstram o quanto é preciso preservar a memória dos fatos, para que as desigualdades históricas possam vir a ser efetivamente reparadas”.
Escravidão longeva – Legado histórico da escravidão e estratégias de inclusão no Estado democrático foi o tema da exposição feita pelo reitor da Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-Brasileira (Unilab), Roque do Nascimento Albuquerque, pós-doutor em Estudos da Tradução pela Universidade Hamline (EUA). Subordinada ao Ministério da Educação e com sede em Redenção (CE), a Unilab foi criada pela Lei 12.289, de 20 de julho de 2010. “O Brasil teve a escravidão mais longeva do Ocidente, sendo impossível dissociar esse legado histórico das imagens rasas e pejorativas com que até hoje os negros, arrancados à força de suas terras, ainda são tratados, como nas piadas de profundo mau gosto”, criticou o reitor.
De acordo com Roque do Nascimento Albuquerque, “a escravidão, por ser um crime cruel de exploração de seres humanos, destruiu a maior parte dos fundamentos morais da sociedade brasileira, tornando indefensável o discurso, flagrantemente falso e hipócrita, de que o País busca a igualdade de direitos”. Ele defendeu o caráter permanente da Lei 12.711/ 2012, que estabeleceu a cota de 50% das vagas nas 69 universidades federais e nos 38 institutos federais de ensino técnico de nível médio. “Ela tem que ser uma política pública definitiva”, afirmou. Promulgada em 2012, a lei estabeleceu que, após 10 anos de vigência, os efeitos da política de cotas seriam avaliados para verificar se os objetivos foram alcançados e, com isso, definir se a sua aplicação deveria ser temporária ou de caráter permanente. Mediador do painel, Sérgio Sant’Anna afirmou que “é preciso estudar o passado, para compreender o presente e projetar um futuro melhor para os descendentes dos escravizados”.
Do painel sobre O racismo estrutural e as barreiras para a ascensão do negro, participou Renato Ferreira, doutorando em Sociologia e Direito pela UFF e advogado especialista em Direito e Relações Raciais. De acordo com ele, “o racismo no Brasil é uma questão central na formação política, ideológica, jurídica e cultural da sociedade”. Para o advogado, “o Direito teve e continua tendo um papel fundamental no combate ao racismo”. Segundo Renato Ferreira, “do ponto de vista jurídico, a Lei Áurea foi também um ato de expropriação dos fazendeiros, que exigiram na Justiça a reparação pela perda dos escravos pelos quais haviam pago, quando, na verdade, eram os negros que deveriam ter sido indenizados”. Ele acrescentou: “Também por meio do Direito, a igualdade foi garantida na Constituição Federal de 1988 e na política de cotas estabelecida pela Lei 12.711, de 2012”.
No mesmo painel, a doutora em Ciências Sociais: Política pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP) e professora da Universidade Federal do Maranhão (UFMA) Joana Coutinho analisou o processo de rompimento da colonização portuguesa e comentou a ausência de participação popular no momento histórico. Segundo ela, o fato de ter sido uma iniciativa da elite contribuiu para a manutenção das desigualdades sociais e do racismo estrutural até hoje existentes. “A Independência do Brasil, em 1822, não foi fruto de um movimento de massa, razão pela qual a abolição da escravatura e a instauração do regime republicano levaram quase 70 anos para se tornarem uma realidade no País, ou seja, foram freadas por uma lentidão cultural que ainda hoje dificulta a eliminação das desigualdades e do racismo”, afirmou. Moderadora do debate, a doutora em Ciência Política e Relações Internacionais pelo Iuperj e membro do IAB Elian Araújo elogiou "o alto nível das palestras”.