A conexão entre os universos jurídico e literário, segundo Marcílio Franca, está fundamentada na base das duas áreas. O procurador defendeu que os temas dos quais a Justiça se ocupa são os mesmos destrinchados nos romances e na poesia. “Não há obra de arte que não trate de questões que também são abordadas pelo Direito. É o nascimento, o assassinato, o casamento, o contrato etc. Essas são as gramáticas da vida e justamente por isso só há discussão possível porque operamos no limite da linguagem. O Direito e a Arte são campos de exercício da linguagem”, disse ele.
Outra conexão apontada por Franca é a própria ficcionalização da vida. De acordo com o jurista, assim como a Literatura, o Direito se baseia em ficções: “Vários institutos jurídicos só fazem sentido porque eles são concebidos, imaginários, porque eles não têm outra realidade que não na ficção”. Ambas as áreas, destacou ele, também exercem grande poder sobre o convívio social. “O que está posto no Direito, assim como o que é inspirado pela Literatura, é capaz de mudar comportamentos e mobilizar as pessoas”, enfatizou.
O evento, realizado com o objetivo de homenagear os estudos de Marcílio Franca, foi promovido pela Comissão de Direito Constitucional do IAB. Na abertura do encontro, Miro Teixeira, que preside o grupo, ressaltou a importância de dar destaque à produção acadêmica que vem sendo realizada pelos juristas brasileiros. “Somos muito apegados aos fatos objetivos do dia a dia e, de repente, perdemos a oportunidade de ouvir os nossos contemporâneos, que são brilhantes. Nós os conhecemos, muitas vezes, pelos artigos e livros, mas é importante podermos escutá-los”, afirmou o advogado.
Integrante da Comissão de Direito Constitucional, Laura Berquó elogiou o trabalho do homenageado e o definiu como um grande acadêmico. “Quem verifica sua produção vê que ele é um homem que sabe associar muito bem a cultura e o Direito. Ele é muito erudito e sabe dividir o seu conhecimento, que se estende à música, à Literatura e a outras áreas”, disse a advogada, que propôs o evento.
Também participaram do webinar o professor titular de Direito Constitucional da Universidade de Brasília (UnB) Marcelo Neves e o doutor em Ciências Políticas pela Universidade Aberta de Portugal João Relvão Caetano, que conduziram o debate.
Em sua fala, Marcelo Neves citou o artigo O ensaio sobre a cegueira: a visualidade da iconografia jurídica, publicado por Marcílio Franca em 1971. O debatedor apontou que o texto demonstra como o Direito se nutre das diferentes formas artísticas. “Isso fica claro nas esculturas dos tribunais e no próprio papel simbólico da arquitetura dos prédios. O autor argumenta que essas imagens da Justiça não são uma mera decoração. Elas servem para pressionar, de certa maneira, o juiz a decidir o que é justo e juridicamente correto”, afirmou Neves.
Por outro lado, João Relvão Caetano sublinhou que, do ponto de vista da história, a arte nem sempre é um veículo de libertação. “Ela pode oprimir ou pode não ser fonte de liberalização. Podemos dar vários exemplos de políticos alemães que, durante a Segunda Guerra, embora artistas, desprezaram os seres humanos que estavam à sua volta”, ponderou ele.