O relator do parecer da Comissão de Direito Constitucional, Joycemar Tejo, destacou que o conflito entre Ucrânia e Rússia tem origem nos planos expansionistas da Otan pelo Leste Europeu. O advogado lembrou que a Organização nasceu em 1949 com o intuito claro de se opor ao bloco capitaneado pela extinta União Soviética na Segunda Guerra Mundial e ao “perigo vermelho”. Diante do fim da URSS e do comunismo na região, Tejo defendeu que o grupo perdeu sua razão de existir: “A manutenção de uma organização nos moldes da Otan se revela anacrônica por emular em plena terceira década do século XXI uma mentalidade e um padrão que remontam à velha e superada Guerra Fria”.
Hariberto Jordão
Autor da indicação que deu origem à análise, Hariberto Jordão afirmou que a Organização exerce um papel agressivo: “É um complexo industrial-militar que vive de vender armas. A Otan não tem país, congresso, presidente ou deputado. No momento em que a URSS se esfacelou e o Pacto de Varsóvia acabou, ela perdeu seu objeto”. Nesse sentido, o parecer endossa que a existência da Otan viola o Direito Internacional por ameaçar a paz universal, contrariando expressamente manifestações como a Declaração sobre o Direito dos Povos à Paz (1984) e a Declaração sobre o Direito à Paz (2016) da ONU. “Esse compromisso civilizatório não pode coadunar com a existência de uma máquina de guerra de potencial destrutivo inaudito”, opinou Tejo.
O advogado também ressaltou que o Brasil tem o dever constitucional de se manter comprometido com os princípios da não-intervenção, da defesa da paz e da solução pacífica dos conflitos. “O País tem pertinência e legitimidade para repudiar a existência de organismos militares useiros e vezeiros no fomento de conflitos e tensões bélicas ao redor do mundo, como é o caso da Otan. O tema também não é estranho ao Instituto dos Advogados Brasileiros, que tem dentre seus fins estatutários a promoção da defesa dos interesses da nação e dos direitos humanos e sociais; a paz inclusive.”, justificou o relator.
Rubens Ricupero
Por outro lado, o relator do parecer da Comissão de Direito Internacional e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero afirmou que as investidas de guerra da Rússia demonstram a vontade de questionar a arquitetura de segurança internacional, da qual a ONU é um componente essencial. “O objetivo último da Organização das Nações Unidas é de evitar a repetição das duas guerras mundiais e garantir a paz internacional mediante um sistema de ‘segurança coletiva’”, afirma o texto.
De acordo com Ricupero, o Direito Internacional vigente encontra a sua expressão suprema na Carta das Nações Unidas, que determina que um país só pode recorrer à força e invadir outro território no caso de legítima defesa ou quando o Conselho de Segurança, com o voto unânime de todos os membros permanentes, decidir que um determinado país constitui uma ameaça à paz e à segurança internacional. Apesar da oposição da ONU à Guerra da Ucrânia, o ex-ministro pontuou que a Rússia não acatou as determinações da Organização.
“Infelizmente o ordenamento internacional não desfruta de meios para obrigar um país a obedecer, mas queria pontuar que o pronunciamento da Corte Internacional de Justiça é obrigatório para todos os membros das Nações Unidas, inclusive para o Brasil. Não há espaço para dissenso. A Corte tem jurisdição e ela considerou a invasão da Ucrânia ilegal e deu ordem de suspensão das operações”, disse Ricupero.
Em seu parecer, o ex-ministro defende que deveria haver esforço para evitar que a situação atual se transforme em uma nova encarnação irreversível da Guerra Fria. “Os gastos em armas e exércitos subiriam em espiral em detrimento da luta contra os perigos reais que ameaçam o planeta: aquecimento global, fome, pandemias, migrações, violações dos direitos humanos, a conquista da igualdade de gênero, a eliminação da pobreza e do subdesenvolvimento. É porque não desejam ser arrastados para esse tipo de inversão de prioridades humanas que alguns países em desenvolvimento representativos vêm adotando na ONU uma atitude de condenar a agressão”, completou.