Da esq. para a dir., Geraldo Prado, Rogerio Schietti, Sydney Limeira Sanches, Daniele Silva, Marcia Dinis e Simone Schreiber
O evento aconteceu no dia em que o Instituto faz aniversário e se inscreve, como dito pelo presidente nacional da entidade, Sydney Limeira Sanches, como uma celebração para a data. “Hoje completamos 180 anos, sempre voltados para a defesa das garantias das liberdades, dos direitos fundamentais, dos direitos humanos e para o combate a qualquer tipo de discriminação”, afirmou Sanches na abertura da mesa de debate. O webinar também contou com a presença do professor visitante da Universidade Autónoma de Lisboa Geraldo Prado e da defensora pública do Estado do Rio de Janeiro Daniele Silva, que são membros da Comissão de Criminologia do IAB. A presidente da mesma comissão, Marcia Dinis, mediou o encontro.
Em sua palestra, Schietti argumentou que os ambientes sem vigilância de advogados ou do Ministério Público, como são muitas vezes as delegacias, podem comprometer a plenitude do direito de qualquer pessoa acusada de um crime. “Não se sabe como foi prestado o depoimento e se o conteúdo daquele ato escrito corresponde exatamente ao que foi dito”, ponderou. É nesse cenário que as injustiças epistêmicas acontecem, já que a palavra de um policial tem um valor maior: “Não que não deva ser objeto de toda atenção e credibilidade, mas nós não podemos tomar como uma presunção absoluta, como fazemos normalmente”.
O conceito de injustiça epistêmica, explicou Schietti, está baseado no livro homônimo da filósofa inglesa Miranda Fricker. “Segundo a autora, uma injustiça epistêmica é um mal cometido a alguém em sua capacidade de sujeito de conhecimento. Uma característica importante dessas injustiças epistêmicas é que elas são sistemáticas. Há um rastro que acompanha certas categorias de pessoas por toda a sua vida social”, contou. Ao contrário de como ocorre com os policiais, as minorias sociais costumam ser alvo dessa vulnerabilidade. O ministro deu o exemplo de mulheres, que são desacreditadas quando são vítimas de crimes contra as suas liberdades sexuais, já que é comum que se procure diminuir a responsabilidade do agressor culpando um comportamento da vítima.
O conceito, quando inserido no debate judicial brasileiro, escancara o “acentuado déficit de conhecimento criminológico que domina a dogmática do processo penal brasileiro”, ressaltou Geraldo Prado. A generalização do sistema penal foi pontuada pelo advogado, que afirmou que a ignorância sobre os preconceitos presentes na realidade brasileira é usada como estratégia discursiva. “Há muitas maneiras de se tentar disfarçar o escamoteamento da realidade do sistema criminal, que é denotado pelo seu funcionamento concreto e pelos resultados práticos: genocídios da população indígena e preta e encarceramento em massa, alçando prioritariamente os mesmos grupos”, afirmou.
Para Prado, é preciso questionar: "Como o processo penal pôde conviver e ainda convive com a experiência cotidiana das práticas sociais que instrumentalizam a injustiça e não tomam essa experiência como tema seu?”. Daniele Silva endossou que o debate sobre as injustiças epistêmicas não pode ignorar a necropolítica brasileira e os preconceitos raciais. “Você não deseja a morte do outro porque o outro é inimigo, você animaliza, coisifica, subjetifica esse outro e então deseja a morte dele. É o que a gente assiste aqui no Estado do Rio de Janeiro”, afirmou. Segundo a advogada, só neste mês 10 pessoas foram mortas no Complexo da Penha, na Zona Norte da capital.
De acordo com o Instituto de Segurança Pública (ISP), a polícia foi responsável por um terço das mortes violentas ocorridas no Estado. “O Rio de Janeiro lidera as principais chacinas desse País”, destacou a palestrante. É preciso fazer com que os juristas enxerguem o racismo do Estado brasileiro, disse Daniele Silva. “É claro que a engrenagem brasileira caminhou com o mito da democracia racial, mas ela foi feita para que não nos enxergássemos e não déssemos voz a isso”, completou.