Da esq. para a dir., Rita Cortez, Adriana Brasil Guimarães e Débora Martins
A importância do debate foi ressaltada pela 2ª vice-presidente do IAB, Adriana Brasil Guimarães, que fez a abertura do webinar. Ela explicou que o objetivo central da ADPF, que foi apresentada pelo PSol e pela Associação Nacional dos Defensores Públicos (Anadep), “é questionar a constitucionalidade dos dispositivos do Código Penal brasileiro que criminalizam o aborto”. A prática só é legal em casos de risco a vida da gestante ou quando a gravidez é resultado de estupro. “A questão da não recepção do crime de intervenção voluntária da gravidez pelo ordenamento constitucional brasileiro é tema de grande relevância no contexto do Direito Penal e dos direitos reprodutivos das mulheres”, disse a advogada.
O evento também teve a participação da ex-presidente do IAB e presidente da Comissão dos Direitos da Mulher da entidade, Rita Cortez, da 2ª vice-presidente, Débora Martins, da membro do mesmo grupo Glória Márcia Percinoto, do presidente da Sociedade dos Advogados Criminais do RJ (Sacerj), João Carlos Castellar, e da membro do IAB e do Comitê de Peritas do Mesecvi/OEA Leila Linhares Barsted. Durante a abertura do debate, Rita Cortez lembrou que a descriminalização do aborto já foi discutida e defendida em parecer aprovado no plenário do Instituto em 2018. De acordo com a advogada, é fundamental colocar a questão em pauta: “Precisamos discutir determinados assuntos que viraram tabus. São os assuntos polêmicos e os chamados temas ‘delicados’ que têm que ser debatidos”.
Luciana Boiteux explicou que a ADPF apresentada ao Supremo segue critérios técnicos e defende que a criminalização do aborto descumpre preceitos fundamentais. “Há uma clara inconstitucionalidade em uma persecução penal imposta às mulheres – e aos homens trans, que também podem ser autores desse tipo penal – à luz dos princípios da Constituição de 1988. Dentre eles, nós elencamos a liberdade, a privacidade, a questão da cidadania das mulheres, o direito à saúde e ao planejamento familiar. São vários os direitos que estão em jogo, não só os individuais”, disse a vereadora. Ela explicou que a sustentação defende que a manutenção de uma gravidez indesejada constitui um tipo de tortura, prática não autorizada pelo ordenamento jurídico brasileiro.
Mesmo com a proibição, as mulheres continuam interrompendo gestações de forma voluntária. Segundo a vereadora, dados pesquisados para a elaboração da arguição apontaram que o perfil de pessoas que abortam é variado. “São mulheres casadas, religiosas, evangélicas, com filhos, solteiras, jovens, de meia-idade etc. O fato é que essas mulheres abortam todos os dias”, afirmou Boiteux. Para ela, a consequência da criminalização é a fragilização das mais vulneráveis: “São as mulheres pobres e negras que abortam em condições piores de salubridade e que não têm o direito, por exemplo, de um acesso ao SUS, como aconteceria se o aborto fosse legalizado dentro dos parâmetros que nós defendemos”.
Por trás da proibição, na visão de Leila Linhares Barsted, está a necessidade de controle dos corpos das mulheres. A palestrante endossou que os índices de mortalidade materna demonstram a necessidade de descriminalizar a prática: “Nós chegamos a 130 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos em 2022, quando o máximo admitido pela ONU são 30 para cada 100 mil”. Barsted afirmou que a religião não foi um impeditivo para o fim da proibição em outros países. “Tal como na Alemanha, na Colômbia foram as Cortes supremas que reconheceram e descriminalizaram o aborto. Nós também temos o Uruguai, Argentina, México e uma série de países que também são de matriz cristã e avançaram na questão do aborto”, completou.
Ao invés de punir, o Estado brasileiro deveria promover mudanças nas condições que levam mulheres a terem gestações não planejadas e as interromperem, pontuou João Carlos Castellar. Ele também sublinhou que o debate sobre o fim da proibição do aborto está ancorado nas desigualdades do País. “O grande problema que se verifica é que a criminalização atinge uma determinada classe social, então o problema é de classe social. É um problema que atinge as mulheres e as meninas pobres que vivem nas favelas e nas comunidades. É esse o problema que nós temos que enfrentar”, afirmou o presidente da Sacerj.
Mesmo com os vários dilemas que envolvem a questão, como o momento em que se dá a concepção, o mais importante, na opinião de Débora Martins, é outro: “Por que fazer com que a mulher leve adiante uma gravidez, às vezes não desejada, às vezes causada por uma violência?”, questionou. Para a advogada, é preciso pensar também nas adolescentes que se submetem a clínicas clandestinas para acabar com gestações que não são aceitas pela família. Glória Márcia Percinoto também condenou a manutenção das penalidades que atingem, sobretudo, as jovens pobres e garantiu que o debate tem espaço na Casa de Montezuma. “Ao fazermos essa crítica da lei, estamos dentro da crítica científica plenamente não sancionável e dentro das atribuições primeiras do IAB”, disse Percinoto.