Gestão Rita Cortez

2025/2028

Inteligência artificial generativa e os direitos autorais

Inteligência artificial generativa e os direitos autorais

Amaury Soares Diretor de Comissões do IAB

A inteligência artificial vem apresentando grandes e significativos avanços, impactando, positivamente, segmentos como saúde, educação, indústria e finanças. Porém, a questão exige muita atenção e cautela, especialmente no que concerne à chamada inteligência artificial generativa, que, sob o conceito de “aprendizado” ou machine learning, como alguns especialistas se referem, esconde explícita violação de direitos.

Nesse aspecto, os teóricos procuram explicar essa zona cinzenta, formada pelas obras que servem de modelo para o aprendizado, comparando o produto final com um “bolo”, cujos “ingredientes” se tornam indissociáveis e não se consegue mais uma identificação individual. Tal comparação ignora, propositalmente, que a matéria-prima da inteligência artificial generativa não é elemento amorfo, é obra artística, protegida, esforço do ser humano que a criou.

É esse elemento que distingue, inclusive, os sistemas de proteção de obras artísticas ou científicas, pois, no sistema continental ou droit d’auteur, a titularidade das obras se restringe àquelas criadas pelo ser humano, que, na nossa Lei no 9.610/1998, ousou o legislador citar de forma lúdica tal requisito, ao estabelecer, em seu artigo 7o, que apenas são protegidas as obras intelectuais criadas pelo espírito.

Inicia-se, já de pronto e por conceito, a dissonância entre as obras criadas por inteligência artificial e a proteção legal, uma vez que, mesmo com a designação de generativa, a inteligência artificial não é, para o direito autoral, criadora e suas “obras” não podem ser criaturas, despindo-se de proteção.

Contudo, essa parca definição não é suficiente para esgotar o tema, muito ao revés, apenas expõe a necessidade de aprofundá-lo, pois, sendo a inteligência artificial generativa uma realidade e sua existência vinculada à utilização indiscriminada de obras protegidas, é necessário que a legislação proteja não só a obra individualizada como hoje, mas a obra utilizada como matéria-prima, a obra tratada erroneamente como “ingrediente”.

No Brasil, assim como em todo o sistema continental de direitos autorais, não vigora a doutrina do fair use, cuja aplicação se restringe ao sistema de copyright, pois, enquanto no primeiro a proteção da obra visa a assegurar direitos ao autor, no segundo, a obra é protegida, na tradução livre, em seu direito de cópia. Portanto, sem o conceito de “uso justo” não há justificativa para a manutenção de verdadeiro e extenso banco de dados sem a devida remuneração dos titulares das obras que o integram.

Não por outra razão, o Parlamento Europeu, ao aprovar a primeira lei de regulamentação da inteligência artificial, objetivamente estabeleceu para as hipóteses de inteligência artificial generativa com relação aos direitos autorais a obrigatoriedade de publicação dos resumos dos dados protegidos por direitos de autor utilizados para a formação, deixando evidenciada a necessidade de se manterem as obras utilizadas individualizadas, plenamente identificáveis.

A discussão, que começa a se dissipar no Parlamento Europeu, toma as agendas dos legisladores mundo afora, que enfrentam os desafios de se garantirem os direitos dos autores nas obras utilizadas pela inteligência artificial generativa.

No Japão, por exemplo, a Lei de Direitos Autorais, atualizada em 2019, estabelece uma zona permissiva de exceção, chamada de “propósito não aproveitável”, porém tal exceção não se aplica quando o treinamento visa, especificamente, a reproduzir expressões criativas, momento em que a criação demonstra similaridade ou dependência com obras existentes.

No nosso país, os direitos dos autores são elevados a nível constitucional e, também por essa razão, não se poderia pretender aprovar uma legislação que não garantisse a plenitude desses direitos. Nesse sentido, o Projeto de Lei no 2.338/2023, que dispõe sobre o desenvolvimento, o fomento e o uso ético e responsável da inteligência artificial, não poderia excluir a possibilidade de os autores gerirem sua obra, ainda que se insista com a malfadada teoria dos “ingredientes do bolo”.

Por essa razão, há explícita obrigação do desenvolvedor de informar os conteúdos protegidos por direitos de autor e conexos utilizados nos processos de desenvolvimento dos sistemas. Identificadas as obras que servem de base de aprendizado, exige o legislador a remuneração do titular, com a faculdade de proibição do uso.

A inovação tecnológica não se contrapõe aos direitos autorais, havendo plena possibilidade de se compatibilizar o avanço com as garantias alcançadas lá no século XVIII. O inadmissível retrocesso pretendido por alguns, ao insistirem que as obras utilizadas para o desenvolvimento da inteligência artificial não possuem proteção, exige regulação consistente sob pena de extermínio da arte como característica humana.

Cursos

Eventos

Webinar
Papo com o IAB

Live