O combate à violência doméstica e a relação do tema com a advocacia que lida com questões de família foi o tema central das palestras realizadas por associados do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) no VI Congresso Ítalo-Luso-Brasileiro de Direito. O evento, realizado em Roma (Itália), segunda e terça-feira (23/9), teve como eixo central Os novos desafios do Direito de Família.
O primeiro painel de debate do dia foi mediado pela presidente nacional do IAB, Rita Cortez, e contou com a participação do presidente do Instituto dos Magistrados do Brasil (IMB), Jean Albert Saadi, como debatedor. A primeira palestra teve como tema A violência doméstica e o impacto no Direito das famílias, a cargo da representante institucional do IAB no Tocantins, Jéssica Painkow.
Em sua fala, ela ressaltou que a violência doméstica permanece como um desafio estrutural no Brasil, com impactos profundos no Direito das Famílias. “O arcabouço jurídico brasileiro vem se consolidando em um microssistema de tutela, desde a Lei Maria da Penha até legislações mais recentes, que incluem a tipificação da violência psicológica, a possibilidade de divórcio liminar em casos de violência, a vedação da guarda compartilhada nesses contextos e até a perda do poder familiar em situações extremas”, afirmou a advogada.
Outro ponto abordado por Painkow foi a emergência da chamada “violência processual”, em que instrumentos jurídicos são utilizados de forma abusiva para revitimizar mulheres. Ela apontou a importância do Protocolo de Julgamento com Perspectiva de Gênero, do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), como medida essencial para evitar que o próprio sistema de justiça seja usado como arma contra as vítimas: “O Direito das Famílias deve assumir um papel transformador, garantindo que a dignidade e a proteção integral de mulheres e crianças estejam no centro das decisões, superando formalismos e rompendo ciclos de violência”.
Já a presidente da Comissão de História, Sociologia e Antropologia do Direito do IAB, Bruna Martins, falou sobre os Efeitos da pandemia no crescimento da violência doméstica. A palestrante iniciou destacando um caso deste ano que simboliza a persistência do problema no Brasil: “Alícia Valentina, uma menina de 11 anos, foi brutalmente agredida no banheiro de sua escola por cinco colegas de turma. Construímos uma sociedade que, desde a infância, silencia meninas, pune o exercício de sua autonomia e, não raramente, as conduz à morte”.
Martins enfatizou que a violência contra os mais vulneráveis é um fenômeno estrutural, agravado durante a pandemia, quando “o espaço doméstico, que deveria ser sinônimo de proteção e afeto, converteu-se, para muitos, em um ambiente de medo e permanente insegurança”. Em sua fala, ela reconheceu a importância de marcos legais, como a Lei Maria da Penha e a Lei do Feminicídio, mas advertiu que “o endurecimento das penas não constitui, por si só, uma política eficaz de contenção da violência”. Para ela, o enfrentamento da violência exige políticas públicas consistentes e intersetoriais.
O consócio Mário Miranda Aufiero abordou a Violência doméstica na Amazônia e apresentou um levantamento que revela o avanço da violência doméstica no estado entre 2019 e 2024, destacando os desafios específicos enfrentados pelas mulheres na região. Segundo o estudo, o Amazonas registra índices superiores à média nacional: enquanto 30% das brasileiras já sofreram violência doméstica, no estado esse número chega a 38%.
A maioria das vítimas é de mulheres jovens (18 a 34 anos), negras e separadas, com destaque para grupos ainda mais vulneráveis, como indígenas, ribeirinhas e periféricas, que enfrentam barreiras de acesso à rede de proteção. Aufiero reforçou que a violência doméstica é crime e não pode ser relativizada por fatores culturais ou econômicos. Ele defendeu o fortalecimento das redes de proteção e a participação conjunta da sociedade e das autoridades para romper o ciclo da violência. “Romper o silêncio é o primeiro passo para transformar a realidade”, concluiu.
O painel também teve a participação da integrante honorária do IAB Lúcia Maria Corrêa, que tratou do tema Convivência e ambiência familiar como deveres, responsabilidades e obrigações constitucionais.

Da esq. para a dir., Marcus Vinicius Cordeiro, Mônica Alexandre Santos, André Meira, Paula Frassinetti, Adriana Magalhães Ianuzzi e Antonio Jose de Mattos Neto
Direito do Trabalho – A segunda mesa teve participação de membros da Casa de Montezuma e foi presidida pela representante institucional do IAB no Pará, Paula Frassinetti. O consócio Antonio Jose de Mattos Neto palestrou sobre Famílias, suas crianças e a inteligência artificial: desafios dos responsáveis pela formação da geração futura; enquanto a professora da Faculdade Santa Teresa Adriana Magalhães Ianuzzi falou sobre Os desafios e perspectivas do Direito de Família.
Os desafios para o futuro e as relações trabalhistas, que marcaram o debate do segundo painel, também foram abordados pela consócia Mônica Alexandre Santos, responsável pela palestra sobre As responsabilidades familiares e a permanência no mercado de trabalho. Ela sublinhou a urgência do tema e destacou que “a luta das mulheres por direitos é um processo histórico e contínuo para avanços importantes, mas também, por desafios persistentes”. Segundo a advogada, a colonização e o fortalecimento do patriarcado impuseram à mulher a função de cuidadora e restringiram sua presença ao espaço doméstico.
Mônica Alexandre também enfatizou as desigualdades enfrentadas especificamente pelas mulheres negras, que sofrem dupla discriminação. Ela observou que essas desigualdades se refletem no mercado de trabalho, onde a renda média é inferior à metade da de um homem branco e a maioria ocupa postos informais e de baixa remuneração. Para a advogada, a promoção dos direitos das mulheres é um passo para o futuro: “Não é apenas uma questão de justiça, mas também desenvolvimento sustentável”.
O diretor de Comunicação do IAB, Marcus Vinicius Cordeiro, abordou O Direito do Trabalho e suas implicações nas relações familiares e destacou que, desde os tempos mais remotos até a contemporaneidade, a divisão das tarefas e a necessidade de subsistência sempre marcaram a vida familiar. Ele lembrou que, com a Revolução Industrial, surgiu a luta por “normas civilizatórias proibitivas de exploração e abusos”, incluindo a proibição do trabalho infantil, a limitação da jornada e a busca por salário digno. Para o diretor, tornou-se essencial compatibilizar “as obrigações decorrentes do trabalho e os deveres familiares”, com o objetivo de equilibrar interesses profissionais e pessoais sem conflitos incontornáveis.
Cordeiro também ressaltou que a legislação brasileira reflete esse esforço, listando dispositivos que buscam garantir condições de vida dignas, como “salário-mínimo, capaz de atender às necessidades vitais básicas do trabalhador e de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social”, além de licenças maternidade e paternidade, salário-família e estabilidade da gestante. Para ele, esses pontos são “um roteiro para a compreensão do quanto o Direito do Trabalho incide e implica nas relações familiares”.

Jean Albert Saadi e Rita Cortez
Visita – No segundo dia do evento, que teve início na segunda-feira (22/9), outras palestras abordaram temas como a proteção da dignidade da família; as vantagens e desvantagens de uma empresa familiar; os desafios da guarda compartilhada; o crime de feminicídio aprovado no Senado italiano, entre outros. A data também foi marcada pela visita da comitiva do IAB, a convite do embaixador Renato Mosca, à Embaixada Brasileira em Roma, que fica no Palácio Pamphili, localizado na Praça Navona.